Valéria Colombo tem 28 anos, estuda Educação Artística na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, e desde menina sonha em entrar na igreja de véu e grinalda. A astrologia diz que seu signo, Aquário, combina com o de Libra. Se for verdade, Valéria ficou noiva do homem certo. Francisco Cunha Pereira Neto, além de libriano, é desatento e avoado como ela. Primogênito de um dos homens mais ricos do Paraná, Neto é um dos herdeiros da Rede Paranaense de Televisão, retransmissora da Rede Globo, e da Gazeta do Povo, o maior jornal do Estado, entre outras empresas. Ele não quis seguir a carreira dos irmãos, hoje no comando do império do pai. Aos 35 anos, cursa mestrado em Física Quântica na mesma universidade onde Valéria estuda. Eles se conheceram, em 1995, na biblioteca da Física, onde ela trabalhava e ele retirava livros com frequência. “Eu falei que ele estava bonito na foto da carteirinha da biblioteca. Desde então, Neto nunca mais saiu do meu pé”, lembra. Namoraram, noivaram e, cinco anos depois, o casamento foi marcado. No civil, seria no dia seis de maio. Na Igreja, 14 dias depois. Embora, segundo ela, morassem juntos há dois anos, já tivessem feito o curso de noivos e até registrado em cartório um pacto pré-nupcial, o vestido de noiva, comprado em Paris, continua guardado na caixa. E a Igreja de Santa Terezinha, decorada para a cerimônia, às 8h da noite do último dia 20, ficou às moscas.

Há duas semanas, Valéria ligou para a redação de ISTOÉ. Nervosa, disse que queria fazer uma denúncia. “Eu ia casar no sábado, mas meu noivo foi sequestrado!” A revista sugeriu que procurasse a polícia. Ela respondeu, categórica: “Já fiz isso, mas eles não vão fazer nada porque o Neto foi sequestrado pela própria família, que é poderosa.” A história contada por Valéria parece enredo de novela. Em 29 de abril, o irmão de Neto, Guilherme, e seu pai, Francisco Cunha Pereira Filho, entraram no apartamento onde o casal morava desde 1998, no bairro nobre do Batel. Eram 7 horas da manhã. O psiquiatra Antônio Villela Lemos, acompanhado de uma equipe médica, comandou a ação que mobilizou 12 pessoas, segundo o porteiro Orotildes Gonçalves dos Santos. Lemos chegou a tentar convencer Neto a se internar espontaneamente.

O que aconteceu a seguir lembra a tragédia de Romeu e Julieta, impedidos de casar pelas famílias Montecchio e Capuleto, que se engalfinhavam em lutas de espada pelas ruas de Verona, na Itália medieval. O primogênito dos Cunha Pereira, ex-praticante de esgrima, empunhou um florete, enfrentou a família e pediu socorro à noiva. Valéria correu para dentro de um guarda-roupa. Escondida, chamou a polícia pelo celular. O espadachim foi espetado com uma injeção de tranquilizante e carregado numa maca até a ambulância. A polícia chegou meia hora depois e considerou o caso “problema familiar”. Desde então, a Julieta curitibana nunca mais teve notícias do seu Romeu.

Sem respostas – No mesmo dia, Valéria foi à delegacia, mas ninguém quis registrar sua queixa. “A gente não pode fazer nada”, desculpou-se um policial. Outro teria dito que “ninguém é louco de mexer com peixe grande”, referindo-se aos Cunha Pereira. No plantão judiciário do Ministério Público, Valéria contou a mesma história e um inquérito foi aberto. Em seu depoimento, o irmão Guilherme declarou que a família separou o casal porque Neto é esquizofrênico, com um quadro que vinha se agravando nos últimos meses. De acordo com o psiquiatra Lemos, médico de Neto desde 1990, seu paciente não ia ao consultório há um ano e meio. No atestado anexado aos autos, o médico explica: “Francisco necessita de tratamento residencial (no leito) com medicação psicotrópica para controle da agitação psicomotora, agressividade e descontrole de personalidade (distorção da realidade, delírio e onipotência).” Ainda segundo ele, “Neto está em internação domiciliar na casa dos pais”. Nem Lemos, nem Sueli Dutra, psicóloga de Neto há oito anos, responderam às perguntas feitas por ISTOÉ, amparando-se no código de ética da Medicina. Roberto D’Ávila, corregedor do Conselho Federal de Medicina, explica que “a autonomia do paciente deve ser respeitada até o limite do risco de vida. Mesmo assim, é preciso solicitar a perícia de um médico forense e obter autorização judicial. De modo geral, este tipo de ação, não se justifica.”

A esquizofrenia é o tipo mais frequente de psicose. Incurável, pode ser hereditária. Na maior parte das vezes, é detectada entre a adolescência e a idade adulta. No caso de Neto, foi diagnosticada aos 18 anos. Para os especialistas, a doença permite ao paciente ter uma vida normal. “O doente terá de se medicar a vida inteira, mas pode viver como qualquer pessoa se estiver sendo tratado”, diz o psiquiatra Mário Louzã, diretor do Projeto Esquizofrenia do Hospital das Clínicas de São Paulo e um dos maiores especialistas do assunto no Brasil. Ricardo Moreno, psiquiatra do mesmo hospital, diz que 1% da humanidade, em diferentes povos ou países, sofre do mal. Ou seja, o Brasil pode ter 1,6 milhão de esquizofrênicos. “Há advogados, médicos, jornalistas esquizofrênicos. Dependendo do grau, eles podem dirigir, trabalhar, estudar, casar, ter filhos”, diz Moreno. Quando o paciente está sob tratamento adequado, os sintomas que caracterizam a esquizofrenia – desinteresse pelo convívio social, desatenção e uma certa apatia – tornam-se quase imperceptíveis. Durante uma crise, no entanto, o paciente tem alucinações, delírios, ouve vozes e pode tornar-se um suicida. Ou, mais grave ainda, um homicida. Aos olhos de um leigo, o quadro de Neto é igual ao da maioria dos que têm a doença. A sua vida é comum. Até onde foi apurado, nunca teve atitudes violentas. Tem licença para dirigir, formou-se em Física Quântica, faz pós-graduação nessa área e já namorou outras garotas.

A noiva se recusa a acreditar na gravidade da doença. “Ele é meio infantil, brincalhão, não gosta de sair, tem poucos amigos. Mas é o jeito dele e eu entendo”, diz. Nos cinco anos entre o namoro e o noivado, os dois viajaram para o Rio de Janeiro e para a Europa, por conta dos pais dele. Nesse período, ela garante nunca ter percebido qualquer sintoma de esquizofrenia. O psiquiatra Ricardo Moreno acha possível. “É difícil, mas pode ter acontecido. A doença vem e vai. Se ele estava medicado, não teve crises. E os outros sintomas mais perceptíveis ela pode não querer enxergar”, explica. A família Cunha Pereira alega, como principal motivo para separar o casal, que Valéria impedia Neto de fazer o tratamento, incluindo consultas à psicóloga e ao psiquiatra e ingestão diária de remédios. “Realmente eu não gostava que ele encontrasse a doutora Sueli porque o que ela faz, para mim, não é tratamento, é outra coisa. Ficavam dias passeando e todo mundo já estava comentando que me traíam. Que consulta é essa na qual a médica não desgruda do paciente?”, questiona. Sueli Dutra explica que o que faz é acompanhamento terapêutico, útil, entre outras finalidades, “para ensinar o paciente a resolver problemas do cotidiano.” Valéria não entende: “Ele não é abobado.”