Pela primeira vez um presidente do Senado terá de prestar depoimento à polícia para falar sobre temas como desvio de dinheiro público, empréstimos irregulares e favorecimento ilícito. Na terça-feira 10, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) vai dar explicações ao delegado da Polícia Federal Luiz Fernando Ayres Machado, que preside o inquérito sobre os escândalos com Títulos da Dívida Agrária (TDAs), aberto por determinação do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. Primeiro, porque aprovou a toque de caixa, como ministro da Reforma Agrária, o pedido de desapropriação da Fazenda Paraíso, que só existia no papel. Vai ter de esclarecer também as ligações com o empresário Vicente de Paula Pedrosa da Silva – dono da fazenda-fantasma e responsável pela venda dos TDAs emitidos de forma fraudulenta –, com quem teria sido visto no Hotel Hilton, em São Paulo, logo após a transação com os títulos. O senador ainda é investigado no caso do desvio de US$ 10 milhões do Banco do Estado do Pará (Banpará), ocorrido na época em que era governador do Estado. Dois relatórios do Banco Central concluídos em 1990 pelo inspetor Abrahão Patruni Júnior apontaram indícios de que parte do desvio teria ido parar nas contas de Jader e de seus familiares.

Por ter foro privilegiado, Jader pode escolher o dia, a hora e o local para ser interrogado pela Polícia Federal: vai depor na terça-feira em sua casa, em Belém. A PF também vai ouvir seu pai, Laércio, seu irmão Joércio, a ex-mulher, a deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA), os ex-assessores Antônio Brasil e Maria Eugênia e o advogado Paulo Lamarão. Não será a primeira vez que os Barbalho entram na mira da Polícia Federal.

Linha de tiro – Nem mesmo o recesso parlamentar que começou na semana passada e vai durar um mês livrou o senador da linha de tiro. Ele começou a semana se defendendo pelos jornais em artigos que desafiavam seus acusadores a provar que ele está mesmo envolvido em todos os escândalos de que é acusado. Na noite da segunda-feira 2, ainda em Belém, partiu para a mídia eletrônica e usou a própria emissora de tevê para se defender. Durante mais de duas horas concedeu uma espécie de entrevista oficial à Rede Brasil Amazônia (RBA) repetindo os mesmos desafios e dando as mesmas respostas que apresentou até agora. Não satisfeito, Jader determinou que a entrevista fosse transmitida pela Embratel para a TV Senado em Brasília. Foram feitas 20 cópias da fita com a entrevista para distribuição à imprensa. Segundo a Secretaria de Comunicação do Senado, a transmissão foi realizada a pedido da assessoria de Jader, que teria pago pelos custos de reprodução das fitas. Mas a autodivulgação da versão não ficou apenas na gravação de fitas de vídeo. A Rádio Senado passou a terça-feira 3 retransmitindo boletins com os “melhores momentos” da entrevista, também divulgada na Voz do Brasil. O uso da estrutura de comunicação do Senado em proveito próprio poderá trazer mais complicações para Jader. “Foi um uso inadequado, pois a entrevista tratava de interesse particular, e não institucional”, atacou o senador Sebastião Rocha (PDT-AP). Ele pretende propor controles mais rígidos no uso da máquina de comunicação do Senado.

Mesmo com todas as explicações, na última semana o cerco a Jader foi se ampliando. Na quarta-feira, a Justiça Federal determinou a quebra do sigilo bancário do empresário Romildo Onofre Soares, acusado de ser um dos maiores fraudadores da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Romildo, que é irmão do ex-prefeito de Altamira José Soares Sobrinho, um dos principais aliados de Jader no interior do Pará, tem quatro projetos em Tocantins financiados pela Sudam, todos considerados fraudulentos pela Secretaria Federal de Controle e pela PF. A quebra do sigilo de Romildo, de suas empresas e de auxiliares pode ser mais um problema para o presidente do Senado. A suspeita do Ministério Público, da Justiça e da PF é de que Romildo e seus parentes desviaram a maior parte dos R$ 50 milhões recebidos da Sudam para tocar projetos que praticamente só existiram no papel. Na mesma quarta-feira, Jader soube que auditores da extinta Sudam estão fazendo uma devassa no ranário Touro Gigante, de sua mulher, Márcia Cristina Zaluth Centeno.

Banpará – No caso do desvio de dinheiro do Banco do Estado do Pará (Banpará), os problemas para a família Barbalho podem terminar com quebras de sigilo bancário e fiscal. Uma equipe de técnicos da 5ª Câmara da Procuradoria-Geral da República, que trata da defesa do Patrimônio Público, está vasculhando todos os documentos sobre o desvio do banco – incluindo a investigação do auditor Abraão Patruni – para descobrir o destino do dinheiro. Na última semana, o próprio Patruni foi convocado a Brasília. O Ministério Público despista, dizendo que o fiscal veio auxiliar em uma investigação sobre sonegação fiscal, mas a verdade é que Patruni também está orientando os procuradores no exame da papelada do Banpará. O subprocurador Paulo de Tarso Braz Lucas disse que a Procuradoria entrou no caso a pedido do Ministério Público do Pará, “porque pode ter havido dano também ao patrimônio público federal”, mas a disposição é esgotar as investigações sobre o envolvimento do senador no caso.

Os nomes de Jader e de sua ex-mulher Elcione estão citados nos relatórios do BC como beneficiários da fraude que, em valores de hoje, soma mais de R$ 36 milhões. Os procuradores que trabalham nas investigações chegaram a esse valor por meio de uma conta no Citibank, cujo titular seria o próprio Jader. Sabe-se que os recursos saíram do Banpará, passaram por uma agência do Itaú no Rio de Janeiro e também pelo Citibank. O Ministério Público investiga outros familiares do presidente do Senado e ex-diretores do Banpará. Os procuradores que participam da apuração já trabalham com a hipótese de entrar com ação cautelar pedindo o bloqueio dos bens de Jader, de sua ex-mulher, do ex-diretor de crédito do Banpará Hamilton de Assis Guedes e do ex-secretário de Fazenda Roberto da Costa.

Colaborou Mário Simas Filho

O irmão menos esperto de Jader Barbalho

Mino Pedrosa

Joércio Fontenelle Barbalho, irmão caçula de Jader, já foi alvo da Polícia Federal, tendo sido investigado por suspeita de envolvimento com o tráfico de cocaína no sul do Pará. O trabalho feito pela PF está registrado no Procedimento Investigativo número 127-94/005/Sedop, com data de 14 de outubro de 1994. Na época, Joércio era deputado estadual pelo PMDB e, segundo a denúncia, estaria traficando cocaína boliviana para a região de Franca (SP). O pó entraria no Brasil por Guajará-Mirim (RO) e, antes de seguir em caminhões para a cidade paulista, seria escondido em remessas de couro de boi curtido na cidade de Xinguara (PA) e na vila de Itupiranga – onde Joércio teria um depósito em sociedade com um certo João do Couro, apontado como um “elemento de alta periculosidade”. De acordo com os relatórios da PF obtidos por ISTOÉ, esse esquema teria movimentado de 200 a 300 quilos de cocaína por mês.

Conforme solicitação desse escritório central, passamos a informar o estágio atual da referida operação”, assim começa um dos muitos relatórios. “A verificação dos dados existentes, e ainda insuficientes para criar presunção de envolvimento dos Barbalho com o narcotráfico, torna necessário o desenvolvimento de investigações nos locais citados na informação original, bem como nos dados posteriormente levantados” (sic), diz trecho de um dos documentos, sugerindo que se enviem equipes para “levantamentos in loco” em sete cidades paraenses – Marabá, Itupiranga, Xinguara, Redenção, São Geraldo do Araguaia, Conceição do Araguaia e Castanhal. Em outro documento pode-se ler o seguinte trecho:“Face ao possível envolvimento do senador Jader Fontenelle Barbalho, as investigações estão sendo desenvolvidas com todo o cuidado peculiar nesses casos, encontrando dificuldades em levantamentos junto a órgãos públicos, em razão da grande influência política exercida por referido senador em todo Estado do Pará.” A PF não informa se as investigações continuam e o que mais concluiu, mas cinco meses depois de sua abertura um peixe caiu na rede. No dia 16 de março de 1995, Carlos Alberto Penedo Salheb, cunhado de Joércio, foi preso em Teffé (AM) por tráfico de droga e formação de quadrilha.