Lula continua com a mesma barba, só que grisalha, e já não bota mais medo em certos setores conservadores do eleitorado. Aquela velha imagem do “sapo barbudo”, e ainda por cima vermelho, caiu por terra na 16ª Caravana da Cidadania, iniciada na terça-feira 3, no sul de Minas Gerais, região onde o petista sempre perdeu nas campanhas presidenciais. As últimas pesquisas já demonstravam uma menor rejeição ao seu nome, mas é no calor das ruas que se vê a mudança apontada pelos números. Políticos do PFL, PTB, PMDB e PSDB receberam Lula de braços abertos nas 17 cidades que ele percorreu durante seis dias, em torno do complexo de Furnas Centrais Elétricas. O combustível desta nova caravana foi o apagão. O Instituto da Cidadania, ONG dirigida por Lula, vai lançar no dia 10 de agosto um projeto sobre a questão energética. Depois de percorrer 360 cidades, de 1993 a 1996, Lula resolveu reativar as Caravanas neste ano, após ouvir propostas da população, de técnicos e de políticos das regiões visitadas para elaborar projetos alternativos.

Mas Lula também usou sua energia para atingir outros objetivos. Ele invadiu o quintal de Itamar Franco (PMDB), que figura em segundo lugar nas intenções de voto. Mesmo os petistas admitiam que o governador é o político mais admirado da região. Por isso mesmo, Lula não perdia a oportunidade de alfinetar o ex-aliado. “Não é só o Itamar quem gosta de pão de queijo”, provocou, ao morder um pedaço da tradicional iguaria. Os mineiros ouviram de Lula o mesmo grito de guerra entoado por Itamar contra a privatização de Furnas. Repetindo sempre o refrão de que o PT ainda não tem candidato a presidente, Lula, no entanto, não deixou de reagir aos ataques do governador Anthony Garotinho (PSB), que, com Ciro Gomes (PPS), disputa a segunda posição das pesquisas: “Uma eleição presidencial não terá lugar nem para garotada nem para molecagem.” O petista também atingiu Itamar e Garotinho numa só tacada: “Itamar tem governado pouco Minas Gerais, e Garotinho tem governado pouco o Rio de Janeiro.” Mas as pesquisas não dizem isso. E mais: a população não está gostando do desempenho de duas administrações do PT que prometiam ser vitrines para o partido. A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, tem o pior desempenho, segundo o Instituto Datafolha, e o governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, amarga o penúltimo lugar. “No caso de Marta, mesmo o petista mais apaixonado sabia que o primeiro ano seria um purgante para nós”, argumentou Lula. Já o governador gaúcho levou um puxão de orelhas. “Vou conversar com Olívio. Lá o problema é outro. Falta política de comunicação. Aprendi com o Chacrinha que quem não se comunica se trumbica”, afirmou.

Lula fez de tudo um pouco: andou de lancha pelo sofisticado condomínio Escarpas do Lago, onde constatou o baixo nível das águas, que vem afetando o turismo; visitou prefeituras de vários partidos, discursou em praças públicas e desfilou na traseira de caminhonetes. Das 17 cidades visitadas, apenas cinco eram do PT. Os sinais de que o partido não assusta mais surgiram desde o primeiro dia. Paulo Roberto Moreira, motorista da caminhonete que levou o petista, é barbudo como Lula, mas seu partido é o PFL, pelo qual se elegeu vereador na cidade de Claraval. “As pessoas querem mudança e Lula inspira esse sentimento”, constatou. Pelo visto, o rebanho pefelista está aderindo. O prefeito Norival Lima (PFL), de Itaú de Minas, não escondia o orgulho de ser barbudo e de ter sido apelidado de Lula pela população: “Lula é um líder no mundo todo e não seria diferente em Itaú de Minas.” Em Capitólio, o prefeito Juracy Rezende (PFL) fez questão de discursar ao lado de Lula nas escadarias da Igreja São Sebastião do Capitólio. Foi chamado de “companheiro” por Lula, tratamento até então dispensado apenas aos colegas petistas. Na viagem, o novo Lula agia bem de acordo com o gosto do novo público, tentando mostrar que nunca foi o “comunista que come criancinha”, imagem que os adversários sempre tentaram lhe colar. “Vou agradecer a Deus por mais um dia porque é preciso agradecer a cada dia que passa”, anunciou. Rezou o pai-nosso de mãos dadas com as crianças. Usando óculos escuros e com uma camiseta pólo azul-turquesa da Lacoste, Lula agradou também no quesito aparência. “Você está chique. Está nota 10”, elogiou a dona-de-casa Marli Siqueira, que ganhou um beijo. Outra, mais afoita, abriu o decote de sua blusa e pediu para Lula autografar ali mesmo. Sem graça, Lula preferiu deixar sua marca na camiseta.

O prefeito de Cássia, Douglas Machado (PTB), preparou uma grande festa para receber o líder do PT. “O estilo novo do Lula e do PT, mais moderado, está pegando. As pessoas não têm mais medo”, disse. Apesar do novo discurso rosa do PT, o vermelho dominava o ambiente nas cidades onde Lula passava. As crianças de Cássia o recepcionavam agitando bandeirinhas vermelhas. No coreto da pracinha da cidade, a banda da prefeitura tocou para Lula. O vice-prefeito de Pratápolis, Luiz Antônio Pedroso (PMDB), conta que, apesar de Itamar ser o favorito, Lula é visto com simpatia. “O Lula está preparado para governar”, comentou. Sem modéstia, Lula explicou o sucesso feito com rebanho alheio: “É que o PT é hoje um partido muito charmoso.” O deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), que acompanhou o petista o tempo todo, lembrou que Collor e FHC sempre venceram Lula na região. “Hoje, onde o PT está crescendo mais no Estado é no sul. As pessoas perderam o preconceito”, explicou. Coincidência ou não, FHC e Itamar marcaram visitas na mesma área atacada por Lula.

Caravana global

Depois das polêmicas visitas que fez a Cuba e à China – dois
países remanescentes do quase extinto mundo comunista –, Lula
vai prosseguir sua caravana globalizada, na terça-feira 10, pela Venezuela, onde se encontrará com o presidente Hugo Chávez e pelo Peru, para conversar com o presidente eleito, Alejandro Toledo. No segundo semestre, visitará os EUA, o Canadá, a França, onde encontrará o primeiro-ministro, Lionel Jospin, e Alemanha, onde visitará o chanceler Gerhard Schröder, do Partido Social-Democrata (SPD)

“Nossos aliados no mundo estão chegando ao poder”, constatou o deputado federal Paulo Delgado (PT-MG), da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, referindo-se ao PS francês e ao SPD alemão. “Não pregamos o antiamericanismo, mas sim a existência de um mundo multipolar. O governo brasileiro, nos últimos dez anos, adotou um alinhamento automático com os Estados Unidos, que não nos interessa”, explicou.

Delgado, que acompanhou Lula na viagem de 13 dias pela China, em maio, explicou que o PT queria conhecer de perto a forma como o governo comunista se relaciona com o capital, principalmente o estrangeiro. O convite partiu do Partido Comunista Chinês, que acaba de completar 80 anos e, assim como o PT, vem se esforçando para conquistar a chamada classe dominante. O presidente Jiang Zemin pregou, na semana passada, que o partido deve abrir suas portas para o empresariado.