“Não podemos partilhar o pão eucarístico ignorando a fome de milhões de seres humanos privados de pão e de justiça.”
Reflexão de José Antonio Pagola ( Teólogo basco )

A Declaração do Milênio, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 2000, estabeleceu como objetivos a alcançar até 2015 a redução até a metade da proporção da população mundial que vive com menos de um dólar por dia; da população que vive sem água potável; garantir o acesso a educação primária para todas as crianças e jovens menores de cinco anos; reduzir a taxa de mortalidade nas crianças menores de cinco anos em quase dois terços; contornar o alastramento do HIV e da Malária.
Depois de 14 anos, a onde chegamos? Da retórica à pratica, um continente. O Continente Africano.
Quase um continente inteiro devastado, morrendo de fome e doenças infecciosas, que somente chama a atenção do mundo por medo ou risco de contaminação.

Entre os 54 países africanos, 35 estão entre os "menos desenvolvidos" do mundo.
O total da população da África é de mais de 900 milhões de habitantes, o que representa cerca de um sétimo da população do mundo.
Um continente que tem taxas cruéis de mortalidade infantil.
Mais de um milhão de bebês morrem todos os anos antes de completar 24 horas de vida.

A mortalidade infantil é alta, cerca de 190 mortes por 1000 nascidos vivos em Angola ( no Brasil 14,5 / 1000, segundo o IBGE em 2014). Entre 25% e 50% das crianças são desnutridas na Tanzânia, Quênia, Sudão, Moçambique, Madagáscar, Zimbábue, Zâmbia, Angola e outros países.

Os cuidados de saúde para as mães na África subsaariana (corresponde à região do continente africano a sul do Deserto do Saara) são insuficientes. Em média, apenas metade das mulheres da região recebem cuidados médicos durante o parto.

Uma mãe na África subsaariana está 30 vezes mais propensa a perder um bebê do que uma mãe de um país industrializado no mesmo momento de vida. Em média, uma a cada seis mães africanas perde um bebê recém-nascido.

A população da África tem crescido exponencialmente ao longo do último século e, consequentemente, tem uma população muito jovem, mas com uma baixa expectativa de vida. De acordo com o CIA Factbook 2006, 28 de 54 países mostram uma expectativa de vida ao nascer abaixo de 50 anos, 43 de 54 abaixo de 60 anos; em Lesoto, Botswana e Suazilândia abaixo de 35 anos.

Na África subsaariana o valor médio do IDH é de 0,475 (no Brasil 0,744).

Para termos comparativos, no Brasil a renda per capta é de US$ 11,7 mil, nos EUA é de US$ 51,7 mil, na Noruega de US$ 60 mil ao ano e na África subsaariana US$ 765 em média.

O índice de analfabetismo é, em media 40%, e em alguns países chega alcançar a cifra astronômica de 70% da população.
Na região em análise, entre 65% a 75% da população residem nas áreas rurais com escassez de recursos e infraestrutura.
Ademais, um terço da população subsaariana (cerca de 300milhões de pessoas) dormem com fome. A pobreza ainda é agravada por golpes militares, guerras, corrupção, governos ineptos, tragédias climáticas com secas prolongadas e algumas doenças que poderiam ser evitadas.

Mais de um milhão e meio de crianças com menos de cinco anos morrem anualmente (4,2 mil diariamente) devido à falta de água potável, como informa o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A OMS, que supervisiona a implementação do Regulamento Sanitário Internacional, carece de resultados efetivos na região.
Neste contexto, não é difícil entender como surgem doenças infecciosas.
AIDS é um problema generalizado na África subsaariana, com cerca de 11% da população adulta infectada.
Mais de 80 % dos casos de malária no mundo se dão nessa região da África (World Malaria Report 2005, OMS/UNICEF).

E agora, O Ebola…
Não é tão de agora. A primeira vez que o vírus Ebola surgiu foi em 1976, em surtos simultâneos em Nzara, no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo, em uma região situada próximo do Rio Ebola, que dá nome à doença.
É uma das doenças mais mortais que existem, causada por um vírus altamente infeccioso, que produz uma febre hemorrágica e pode matar mais de 90% das pessoas que o contraem, levando pânico nas populações infectadas.

Morcegos frutívoros são considerados os hospedeiros naturais desse vírus. O Ebola pode ser contraído tanto de humanos como de animais. O vírus é transmitido por meio do contato com sangue, secreções ou outros fluídos corporais. A propagação da doença em determinada população tem início quando uma pessoa entra em contacto com o sangue ou fluidos corporais de um animal infetado, como os macacos ou morcegos-da-fruta. Após a infecção, a doença é transmissível de pessoa para pessoa, inclusive através do contato com pessoas mortas. Os homens que sobrevivem à doença continuam a ser capazes de a transmitir por via sexual durante cerca de dois meses. Condições de higiene e saneamento são fundamentais na primo infecção. Outros agravantes como praticas culturais e hábitos tradicionais, como lavar os cadáveres antes do funeral, geram um contato capaz de transmitir o ebola e “contribuem fortemente" para a epidemia, como já disse publicamente a OMS.

Não existe atualmente qualquer tratamento aprovado para o vírus Ebola, sendo ainda fundamentalmente de natureza sintomática ou paliativa. O FDA (Food and Drug Administration, dos Estados Unidos) autorizou o tratamento experimental recentemente nos Estados Unidos com duas drogas, o ZMaap e TKM-Ebola (um RNA interferente), com resultados iniciais promissores.

Em 8 de agosto de 2014, a Organização Mundial de Saúde declarou a epidemia em estado de emergência internacional. Essa designação só havia sido usada duas vezes antes, para a gripe Suína em 2009 e para o ressurgimento da Pólio em 2014.

Os dados dão conta de que, até agora, o Ebola já infectou um total de 8 mil pacientes, resultando mais de 4 mil mortes. A OMS afirma que o número de casos é provavelmente muito maior do que o oficialmente reportado.

Diversas organizações, entidades filantrópicas e países, incluindo o Brasil, doaram fundos, mobilizaram médicos, soldados e até mesmo voluntários para ajudar a combater a epidemia;

A direção da OMS anunciou ainda que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, vai divulgar uma coalizão global para combater a doença.
Tudo certo. Obviamente ninguém é contra as medidas de proteção dos países ou a ajuda internacional, ao contrário; mas o que esperávamos é que essa ajuda chegasse antes, antes da fome, antes do analfabetismo, antes das doenças e que o mundo assumisse sua responsabilidade pela pobreza, já que essa parte da África é constantemente monitorada por organismos internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC) devido ao endividamento alto, o que destrói qualquer tentativa de desenvolvimento.

Cabe aos países desenvolvidos, que sequer tentam equilibrar a distribuição da renda mundial e que já se beneficiaram da exploração, um novo olhar sobre a África, ainda que lamentavelmente se não por compaixão, por necessidade.