Nick Cave sempre odiou falar sobre religião. Muito estranho este compositor e cantor australiano de 43 anos. Em 1990, quando lançou o álbum The good son, a faixa de abertura chamava-se Foi na cruz, referência direta a um hino protestante, que sua namorada brasileira na época vivia lhe cantando. No disco seguinte, Henry’s dream, de 1992, pelo menos três das nove músicas evocavam o nome de Cristo. Só para não sair do rumo, entre as várias atividades desenvolvidas nos últimos três anos, ele escreveu um estudo sobre o evangelho de São Marcos, contido no Novo testamento. E, para completar, duas canções de seu recente disco No more shall we part fazem referências a Deus. Pelo jeito, a busca existencial continua. Só que diferente. A melancolia cavernosa deu lugar a melodias de beleza triste, às vezes tão tristes a ponto de rasgar o coração. Love letter e Darker with the day são duas delas.

Interessante constatar esta ligação atávica com a tristeza, principalmente para quem morou, casou e teve um filho no Brasil, país tradicionalmente alegre, apesar da força contrária movida pela montanha de fatores historicamente conspurcados. Nick Cave and The Bad Seeds não lançavam um novo trabalho desde The boatman’s call, de 1997. Retornam agora neste 11º disco de estúdio refletindo sobre sentimentos e o lado selvagem da vida em canções com belíssimos arranjos de cordas, privilégio sonoro para o piano e entradas teatrais de guitarras. São 12 músicas de poesias caudalosas nas quais a voz de Cave já não serve mais como trilha sádica para assustar criancinhas, como em discos passados. Nick Cave amaciou o timbre, beneficiou os agudos e deixou seu grave na gravidade da tristeza. Bela.