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Gerson e Lery com os 2 filhos no hospital AMA, no Arujá

Gerson

"Eu estava dormindo. Quando acordei estava zonzo, de alguma pancada. Metade do meu corpo estava soterrado até a cintura. Parecia areia movediça. E tinha uma árvore enorme em cima de mim. Fiquei desesperado, estava muito escuro. Encontrei um galho, me puxei, fui subindo, com a força de Deus. E ouvi ela me chamando. Acho que nosso amor é tão grande que Deus colocou a gente junto… (chora). Ela me pedia calma. O lugar era calmo, não tinha onda, propício para mergulho, que era uma das coisas que fomos fazer. A casa tinha um píer longo, que dava num jardim, depois vinha a varanda. A porta de entrada era grande, de correr, que levava à sala. Do lado esquerdo de quem entra tinha um quarto, que era o nosso, e do direito também. Nesse estavam o Flávio, a Emanuela, o Luiz Henrique e a Fernanda. Depois da sala vinha a cozinha, a lavanderia, mais uma varanda grande. Um quintal sem cobertura e já vinha uma edícula com três quartos e um banheiro, onde estavam todos os outros. A avalanche caiu em cima deles e empurrou tudo o que havia pela frente. A gente foi parar no outro lado da ilha e os meninos foram jogados no mar. Só que o Flavio nadou para o nosso lado e o Luiz nadou para o lado oposto. Assim que conseguimos sair daquele atoleiro o Flávio já estava gritando por socorro. Eu estava sangrando muito. Perguntei para ele o que tinha acontecido com os outros. Ele disse: “Gerson, só sobramos nós. Os outros morreram”. Entrei em desespero. Começamos a rezar a Ave Maria. Dois moradores da ilha nos ajudaram a sair dali. Eles apareceram gritando se tinha alguém vivo e respondemos. Foram dois anjos. Também afundaram na lama, correram risco, poderiam ter morrido tentando salvar a gente. Nos levaram para uma pousada, onde as pessoas nos ajudaram. Tem gente dizendo que essa reação da natureza é o fim do mundo. Não acredito. Acho que é a renovação dos tempos. Tempo do ser humano se concientizar de que não pode mais explorar o meio ambiente do jeito que explora. É preciso revitalizar a natureza. Nós provocamos esses acidentes. O que eu estou dizendo é do fundo do meu coração. De hoje em diante, quando eu souber de alguém prejudicando o próximo ou a natureza, eu vou interferir. A solidariedade que conhecemos, desconhecidos se arriscando por nós, gente humilde dando a roupa do corpo para nós… O prefeito Abel Larini (de Arujá, e pai de Flávio) prestou toda assistência. Ele é digno do cargo que ocupa. Ele deixou de ser político para ser um grande homem. Vamos fazer 30 anos de casado ano que vem. Vamos morrer juntos. Nossos filhos quase foram na viagem. Mas a casa não comportava mais. Graças a Deus não tinha mais lugar. Não aguento ter perdido tantos irmãos. A gente não era só amigo. Sempre mantínhamos contato, jogando futebol, fazendo churrasco. É uma roda de família. Essa amizade tinha 14 anos, desde que viemos morar aqui. Somos de São Paulo. Quando me encontraram nos escombros eu estava nu, como se nasce. Para mim, é o meu novo nascimento, uma oportunidade que Deus me deu. E de também fazer a outros o que fizeram por nós."

Eny

"Estávamos no lugar certo na hora certa. Eu estava acordada rezando. Ouvi um estrondo, vi a parede do quarto explodindo e fui jogada longe. Acredito muito em anjos, que é até o nome da minha loja na cidade. Fui rolando até chegar no mar. Saí de lá e nem sei nadar. Na hora, na minha cabeça, era um tsunami. A água ficou por cima de mim. Olhei para minha mão e falei “estou morta”. Mais um instante e percebi que não tinha morrido. Levantei sem nem um arranhão. Comecei a pedir pelo meu anjo da guarda, que sempre me protegeu, para me proteger naquela hora também. Pedi para ele não me abandonar. De repente, estava em cima de uma tábua. Comecei a gritar o nome do meu marido. E ele respondia “estou aqui, o que aconteceu, o que é isso em cima de mim, onde está nossa casa”. Já veio o Flávio, me ajudar. A gente estava próximo, Graças a Deus. Foi um barulho assustador. Só senti em mim água e areia. Não senti pedra.
Quando veio uma onda eu cai de cima da pedra e minha perna ficou presa. Eu dizia para o Gerson ir embora. Ele disse: “Só saio daqui com você”. Consegui sair, mas caí para trás e machuquei a coluna. Não me mexia mais, comecei a tremer. Percebi que a gente não ia morrer mais. Porque se a gente passou por tudo aquilo e não morremos era porque Deus queria a gente vivo. Tenho certeza que meu anjo me salvou porque não sei nadar. Rolei metros na água e não engoli uma gota de água."
 


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