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SEM DEFESA
Jobim e Saito: ordem do ministro e do brigadeiro foi ignorada
 

Um compromisso delicado aguarda o presidente Lula na volta de suas férias, nos próximos dias. Da praia do Guarujá, no litoral paulista, onde passou a semana passada, ele convocou para uma reunião o ministro da Defesa, Nelson Jobim, o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, e o brigadeiro Dirceu Tondolo Nolo, responsável pela Copac, comissão que coordena o programa FX-2, que resultará na bilionária compra de 36 jatos de combate para a Força Aérea Brasileira (FAB). Lula e Jobim querem saber como um relatório indicando o caça Gripen NG, da empresa sueca Saab, como o favorito dos militares para vencer a concorrência – disputada também pelo francês Rafale, da Dassault, e o americano F-18 Super Hornet, da Boeing – vazou para a imprensa no início da semana passada, constrangendo o presidente e o ministro e acirrando uma crise entre eles e os comandos das Forças Armadas. A julgar pelo relatório divulgado pelo jornal “Folha de S. Paulo”, a Copac fez ouvidos moucos à recomendação de Jobim para que a análise técnica não hierarquizasse os três aviões finalistas e apresentou uma classificação em que prioriza o preço em detrimento de requisitos técnicos, logísticos, de transferência tecnológica e contrapartidas industriais (off-set). O episódio pode terminar com a punição dos membros da Copac e ainda precipitar a decisão pela escolha do avião francês, favorito do governo. Na Defesa, o descumprimento da ordem de Jobim está sendo tratada como insubordinação. E o vazamento de informações, consideradas segredo de Estado, pode até ser enquadrado como crime de segurança nacional. De uma forma ou de outra, Lula já mandou avisar que não vai se submeter às pressões. O recado foi dado pelo chanceler Celso Amorim. “A decisão será política. É o presidente, com a ajuda de seu Conselho de Defesa, que tomará a decisão final”, disse. Segundo Amorim, “às vezes os técnicos dão uma impressão que vai num sentido e muitas vezes o barato sai caro”. Jobim, por sua vez, disse que encaminhará a Lula um relatório próprio. “Vou analisar tudo, tirar dúvidas, avaliar o sistema de cálculo e levar as minhas conclusões para o presidente”, afirmou. Como ISTOÉ revelou em dezembro, o relatório completo do programa FX- 2, com 30 mil páginas, traz diversas tabelas mostrando os pontos positivos e negativos de cada avião, usando um código de cores (azul, amarelo e vermelho), em vez de notas. Dos três, por exemplo, o jato francês apresenta o pacote tecnológico mais abrangente, enquanto o sueco é o mais barato. De posse dessa papelada, a Copac resolveu fazer um sumário executivo e tentou emplacar a classificação: o Gripen NG apareceu em 1º lugar,  seguido do F-18 e do Rafale, em terceiro.

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O documento passou nas mãos de Saito e Jobim, que mandou os militares elaborarem uma nova versão, sem o ranking. Isso foi feito, mas o documento anterior, em vez de ser destruído, acabou vazando. Para o consultor de segurança nacional Salvador Ghelfi Raza, da Universidade de Defesa dos EUA, braço acadêmico do Pentágono, vazamentos como esse devem ser apurados. “É preciso investigar para saber se há uma manipulação do resultado da concorrência por interesses escusos”, afirma. O fato é que está em curso uma poderosa guerra de lobbies, envolvendo os maiores fabricantes mundiais, para abocanhar um contrato de até R$ 10 bilhões. Até que se prove o contrário, não há nada de ilegal na atuação desses grupos de pressão. No entanto, algumas vezes os interesses parecem difusos. Para tentar emplacar o Gripen NG, a Saab contratou o brigadeiro reformado Fernando Cima, ex-coordenador da Copac na primeira edição do FX. Com ascendência sobre muitos oficiais, Cima é sempre recebido na FAB com a reverência que sua patente impõe, com direito até a continência dos próprios membros da comissão. Outro contratado pelo fabricante sueco é o engenheiro Anastácio Katsanos, que foi vice-presidente militar da Embraer. A Embraer chegou a analisar a compra de parte da Saab por meio de um swap de ações, considerando a eventual escolha do Gripen NG. Dentro da companhia, há o entendimento de que o caça sueco dá a oportunidade de um desenvolvimento conjunto do projeto. Mas é exatamente o fato de ser apenas um projeto que traz insegurança para o governo. Não há como saber quando o avião estará operacional. Da mesma forma, é impossível definir qual será seu preço final. O valor de US$ 50 milhões, anunciado pela Saab, é uma estimativa. Bem diferente do que ocorre com o Super Hornet (US$ 55 milhões) e o Rafale (64 milhões de euros, US$ 91,6 milhões), aviões totalmente operacionais e com preço estabilizado. “Não dá para comparar o Rafale, que já é operacional, com o Gripen, um avião que não existe”, reagiu o ministro da Defesa francês, Hervé Morin. Essa lógica também embala as discussões sobre o custo da hora-voo. A hora-voo do F-18 está em US$ 11 mil, enquanto a do Rafale é de 9,8 mil euros (US$ 14 mil). Já a do Gripen, segundo a Saab, seria de US$ 4 mil. O problema é que a própria comissão técnica da FAB, a partir de cálculos baseados em dados de manutenção extrapolados do Gripen C/D (versão anterior ao NG), encontrou um valor diferente do informado: US$ 8 mil. Na Noruega, os técnicos estimaram esse custo em US$ 10 mil. A divergência de informações pesa contra a opção sueca. Um outro dado importante parece ter sido esquecido no sumário que foi vazado à imprensa: o teste de pilotagem. Em outubro, Jobim convocou os pilotos que testaram os caças para que emitissem um parecer. Os militares destacaram o desempenho do Rafale e também elogiaram o F-18, mas não tiveram o que dizer do Gripen NG, pelo simples fato de que não puderam voar nele. O que está disponível para testes é um “demonstrador”, uma espécie de protótipo feito com base num modelo de treinamento que tem muito pouco a ver com a versão final. Como alertou Amorim, o barato pode sair caro. 

 

KAI FORA
No estilo K (dos Kirchners) de governar, quem discorda é expulso por decreto 

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FORA DA LEI
Demissão do presidente do BC por Cristina será contestada na Justiça

Não é de hoje que a economia argentina caminha aos solavancos e provoca discussões e embates acalorados entre o governo, a oposição e setores produtivos do país. Desta vez, no entanto, os hermanos parecem ter atingido um patamar inédito nas discordâncias sobre como tratar os temas econômicos. Na quinta-feira 7, a presidente Cristina Kirchner simplesmente emitiu um decreto demitindo o presidente do Banco Central da República Argentina, Martín Redrado, que se recusa a deixar o cargo após pedidos insistentes da Casa Rosada. Redrado não só recusou-se a deixar a Presidência como também entrou na Justiça na tentativa de anular o decreto presidencial e se manter no cargo até setembro, quando acaba seu mandato. O imbróglio já vem de longa data pelo fato de o Barc tomar decisões que não agradam o governo. O ponto de ruptura se deu porque Cristina Kirchner queria que o Banco Central liberasse US$ 6,5 bilhões das reservas internacionais – que somam US$ 47 bilhões – para pagamento de parcelas da dívida externa e investimentos em infraestrutura. O Barc, usando de sua autonomia outorgada pelas leis do país, recusou-se a liberar os recursos, causando a ira da presidente. Ninguém sabe como essa briga vai terminar, mas o certo é que, como em um tango de Gardel, haverá muitas lágrimas a serem derramadas pelos argentinos.


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