Em uma pequena cidade do Recôncavo Baiano, os versos da canção Esperando na janela, tema do filme Eu, tu, eles, de Andrucha Waddington, assumem ares de profecia. Com Gilberto Gil, o longa-metragem ficou famoso antes mesmo da estréia. Agora, com esse forró tocando em dezenas de rádios e alto-falantes, Amargosa, a 230 quilômetros de Salvador, sonha com o estrelato. Sede dos festejos juninos da Bahia, ela ainda não é tão falada quanto a paraibana Campina Grande ou a pernambucana Caruaru. Mas no sábado 23 foi incluída no novo projeto de Waddington, o documentário Viva São João.

No filme, com estréia prevista para 2002, Amargosa aparece como um dos locais onde as festas juninas persistem com mais vigor. A cidade de 32 mil habitantes, cujo nome se deve a uma espécie de pomba de carne amarga, vê nos festejos juninos, depois da pecuária leiteira e da cafeicultura, sua principal fonte de renda. “Mesmo não sendo o arraial mais gigantesco do País, o de Amargosa é o mais charmoso, o mais naïf”, afirma Waddington, referindo-se ao tipo de arte ingênua e popular. Nascido no Rio de Janeiro, o diretor conheceu a região em 1997, quando fazia pesquisas para Eu, tu, eles, protagonizado por Regina Casé. Apaixonou-se pelas descobertas e resolveu filmar as festas populares que ocorrem no Nordeste nesta época do ano, a partir da agenda de shows de Gilberto Gil durante o mês de junho.

“São Beto” – Atuando como mestre-de-cerimônias, o cantor baiano praticamente abriu as portas do São João para a Conspiração Filmes, de Waddington. Ele entrevista personalidades como a irmã de Luiz Gonzaga e o sanfoneiro Dominguinhos, e também é a estrela de shows como o do sábado 23, em Amargosa. Gil chegou à cidade na véspera do Dia de São João, quando em cada casa se via uma fogueira acesa e as bombas e os rojões faziam coro ao forró, no último volume. “Para mim, isso aqui é tudo infância, memória, recordação”, emocionou-se. Por completar 59 anos no dia 26, ele acabou recebendo os parabéns da platéia no palco e vibrou. “Lá em casa, meu aniversário costumava ser uma das festas juninas. Era São João, Beto e São Pedro, um seguido do outro”, brincou.

A simples presença de Gil e de Waddington fez a cidade entrar em polvorosa. Todos os alunos da rede municipal de ensino já estavam de férias, mas deu-se um jeito de reabrir uma escola para que as câmeras registrassem como eles comemoram a data. Fazendo as vezes de produtora, a ex-primeira-dama Marina Sales, mãe do atual prefeito, Rosalvinho Sales (PTB), arranjou quadrilha, beatas que rezam a trezena de Santo Antônio e até um pai-de-santo para mostrar a celebração de São João no candomblé. “No documentário, além da festa, preciso mostrar os hábitos locais”, explica o diretor.

Em Amargosa, um decreto-lei baixado em 1997 pela prefeitura obriga que, durante os festejos juninos, não se toque outro ritmo que não seja o forró. O prefeito Rosalvo Sales acredita que a invasão de músicas pop e axé descaracteriza a festa. Em quatro dias de arraial, a cidade movimenta R$ 8 milhões, dez vezes o seu orçamento mensal. Numa única tarde, o Forró do Piu-Piu, organizado por um bloco de Salvador, reuniu cinco mil jovens. Cada um pagou R$ 60 pela camiseta-ingresso. Alugado para uma excursão de nove ônibus de visitantes, o antigo seminário da cidade ficou sem água para tanta gente. O Hotel Fazenda Colibri, o maior da região, lotou, mesmo com pacotes de fim de semana vendidos a R$ 1,2 mil por casal – na baixa temporada, uma diária em pousada ou hotel custa de R$ 15 a R$ 180.

E cada morador faz o que pode para faturar. A vendedora Gil Lemos, 33 anos, vira corretora de imóveis. Lucrou alto com o aluguel de 60 casas. “Só no sábado, foram 40 quartos a no mínimo R$ 200. De cada um, ganho uns R$ 50, o dinheiro da cerveja”, esnobou. Até a dona da butique mais elegante da cidade, Maria Gleide Checcucci, aproveita para engordar a renda com licores de chocolate e menta (R$ 8). E na feira tem até gente de fora. “Como onde moro não tem São João, vim vender chapéus caipiras aqui”, diz o balconista Edvaldo Xavier, 19 anos, morador de Feira de Santana, a 100 quilômetros de Amargosa. Se com Viva São João o diretor Andrucha Waddington conseguir repetir a sina gloriosa de Eu, Tu, Eles, no ano que vem vai ter até fila de espera para dar uma de caipira neste arraial.