No primeiro dia de inverno do ano, 21 de junho, o telefone da Pousada Fazenda da Invernada em Urubici, Santa Catarina, tocou logo cedo. A ligação vinha de longe, da Paraíba. Um homem pedia reserva para 20 pessoas, o suficiente para lotar a antiga residência de dona Gláucia e José Silvio Rodrigues. “Não se esqueça de trazer bastante roupa”, alertou a proprietária. O objetivo dos paraibanos? Passar frio.

No caso de Uru-bici, esse frio todo pode ser acompanhado de neve, dependendo da sorte do turista. A cidade de dez mil habitantes, distante 165 quilômetros de Florianópolis, orgulha-se de ter o ponto mais frio do Brasil: o Morro da Igreja. A uma altura de 1.828 metros acima do nível do mar, já foram registrados no cume do morro 17,8 graus negativos com ventos de até 180 km/h. Recorde absoluto no País. Urubici ainda oferece lindas cachoeiras, caminhadas e cavernas com inscrições rupestres de mais de quatro mil anos. Sem contar a deliciosa culinária local. Para chegar lá é preciso cruzar a Serra do Rio do Rastro, um espetáculo à parte. Pelos ângulos de suas curvas, a estrada é considerada um desafio à engenharia.

O frio de Urubici é compensado pela calorosa população, que recebe o turista em suas próprias casas ou antigas fazendas. A Pousada Fazenda da Invernada, aquela que vai receber o povo da Paraíba, é uma fazenda de criação de gado. Até 1998 a família Rodrigues vivia ali completa, com pai, mãe e quatro filhos. A criançada cresceu, foi estudar fora e a casa ficou grande demais para o casal, que resolveu abrir suas portas aos visitantes. Além de arrumar companhia, eles deram uma solução ao declínio da pecuária extrativista. Abriram mão do próprio quarto para o turismo rural, que privilegia a vida no campo como ela é. Não há o luxo nem a sofisticação dos tradicionais centros de turismo de inverno como Campos do Jordão ou Monte Verde. Tampouco o trânsito caótico, preços exorbitantes e filas para tudo. O dia numa fazenda do Sul (que custa R$ 50 por casal, com café da manhã) pode começar com o camargo, um café com leite tirado diretamente da teta da vaca. Calma, a mistura não vem pronta. Coloca-se um pouco de café com açúcar numa caneca e o leite quente, com direito a espuminha, vem da vaca. “Fica mais gostoso que capuccino”, orgulha-se Rodrigues.

Os campos verdes convidam às cavalgadas e caminhadas. Na Fazenda do Barreiro, município de Painel, também em Santa Catarina, cavalos crioulos, fortes e destemidos, cruzam rios e montanhas assustando o turista mais afoito. Laélio Bianchini foi o primeiro fazendeiro a abrir sua propriedade para o turismo rural no Brasil, em 1987. Sua fazenda, fundada em 1782 pelo tataravô português, tem tanta história que rendeu até um pequeno museu com peças, utensílios, fotos e cartas dos familiares. Assim como nas outras fazendas, a prosa é o grande diferencial. O ambiente familiar, o envolvimento com as pessoas e as belas histórias contadas ao pé da fogueira elevam a taxa de retorno dos turistas. “Cerca de 70% das pessoas voltam para cá. Ninguém consegue isso na hotelaria”, comemora Bianchini. Para fechar o dia, nada como uma bela refeição à base de pinhão, semente típica da região. Na Fazenda do Barreiro, o prato imperdível é a paçoca de pinhão. Por ser a fazenda mais bem estruturada da região, o preço é um pouco salgado. A pensão completa, com quatro refeições e várias atividades, custa R$ 70 por pessoa.

Reis da prosa e também da comida, os mineiros não ficam atrás quando se fala de turismo rural. Maria da Fé, a 1.250 metros de altitude no sul de Minas, perto de Itajubá, é tida como a cidade mais gelada do Estado. Lá os turistas foram a “salvação da lavoura”. Durante décadas, a economia do município era baseada na monocultura da batata, mas a crise chegou e a cidade quase quebrou. Aí se vislumbraram as vantagens do turismo, com uma combinação especial que garante o pão de cada um. Explica-se: quem hospeda não serve refeição; quem fabrica o bolo não vende a cavalgada; o artesanato é feito pela população local e os lucros, reinvestidos. Funciona como uma grande cooperativa em que todos ganham. Inclusive o turista. “Gostei muito desta dinâmica de turismo. Nos envolvemos com a cidade inteira”, diz a economista carioca Neide Pacheco.

A primeira fazendeira a abrir sua casa para os turistas em Maria da Fé foi dona Lourdinha Torres. No alto de um morro, a Fazenda Pomária quebra o frio com enormes fogueiras. Ao redor do fogo, curtem-se as estrelas e bebe-se chocolate quente ao som de viola. Sem esquecer, é claro, dos muitos e muitos causos que ganham mais veracidade com o cair da noite. “É o mar mineiro”, explica dona Lourdinha, que cobra diárias de R$ 30 para o casal. Se o frio está muito forte, o melhor remédio é entregar-se às dezenas de cachaças produzidas nos alambiques da região, como a pinga de banana. Para acompanhar, nada melhor do que uma canjiquinha.