Não há anjinhos no mundo dos grandes negócios. Os últimos lances na disputa pelo bilionário mercado da telefonia, privatizado há dois anos e meio, são capazes de fazer corar qualquer gângster. Na guerra suja pelo controle da Telemig Celular e da Tele Norte Celular, arapongas entraram em ação e gravaram conversas telefônicas do empresário Nelson Tanure, um personagem novo neste setor. Ávido por uma fatia desse mercado, Tanure aliou-se à canadense TIW, que vive às turras com o sócio Daniel Dantas, do Opportunity. Os canadenses querem a todo custo provocar uma alteração no arranjo acionário que vem tirando da empresa estrangeira poder de decisão nas duas teles. Os grampos captaram, em abril, diálogos de Tanure – que também é acionista majoritário do Jornal do Brasil –, do seu assessor Paulo Marinho e do jornalista Ricardo Boechat. O principal assunto das conversas era a estratégia montada para derrubar Dantas. Tanure vai pedir abertura de inquérito policial para identificar os autores do grampo. As primeiras suspeitas recaíram sobre os ombros de um dos assessores de Dantas, o jornalista e ex-governador do Rio Grande do Sul Antonio Britto. Nessa guerra suja, a única vítima registrada até agora foi Boechat, demitido do jornal O Globo no domingo 24.

O colunista aparece nas fitas checando com Paulo Marinho os detalhes de uma reportagem de sua autoria que acabaria sendo publicada em abril sobre a briga das teles. A fonte da notícia era o próprio assessor de Tanure. A matéria tornava pública a tentativa de Dantas de exonerar três representantes dos fundos de pensão da Telemig Celular e da Tele Norte Celular para aumentar seu poder – os fundos são sócios da TIW e do Opportunity nessas empresas. Boechat leu para Marinho a íntegra do texto, que dias depois seria usado numa ação contra a empresa de Dantas. A publicação das fitas pela revista Veja causou sua demissão. “Ele usou o jornal e a sua influência para fazer uma matéria que favorece um grupo contra o outro”, justifica o diretor de jornalismo de O Globo, Merval Pereira. O colunista se defende. “O importante é que a matéria era verdadeira. Ouvir fontes que tenham interesse numa notícia para atingir um adversário não é nenhum delito”, argumenta Boechat.

Considerado um dos mais bem informados jornalistas brasileiros, ele estava há 30 anos em O Globo e participava também do telejornal Bom Dia Brasil, da Rede Globo. Seu destino agora deve ser o Jornal do Brasil, e as negociações com esse objetivo já começaram. “O mercado jornalístico do Rio é um Fla-Flu”, diz ele, referindo-se à polarização entre os dois jornais. Desde a demissão, Boechat, 49 anos, tem sofrido de insônia, fuma sem parar e tem crises de choro.

Sem comentários – Os dois protagonistas dessa disputa se fecharam em copas. Paulo Marinho mediu as palavras: “Fui vítima de um crime, não quero falar sobre o assunto.” Se os principais envolvidos não se pronunciam, os comentários sobre os possíveis responsáveis pela divulgação das fitas correm soltos. O advogado Sérgio Bermudes, do Opportunity, por exemplo, é um dos citados. Bermudes também não quis comentar o assunto. Já Antonio Britto foi notificado extrajudicialmente há três semanas para responder se sabia da existência das fitas. “Claro que não tive nada a ver com isso. Apenas comentei com Clovis Carvalho (advogado dos fundos de pensão) que teríamos que tomar cuidado porque o clima da disputa é muito ruim, com muita gente oferecendo dossiês e fitas contra um lado e outro”, explica. Pelo visto, as nuvens negras identificadas por Britto ainda vão provocar muitos raios e trovoadas na briga das teles.