Neste momento, em várias partes do mundo, algum pesquisador está tentando descobrir um detalhe no funcionamento do músculo cardíaco ainda não percebido pela ciência, enquanto outro se esforça para aprimorar um tratamento já reconhecido e um terceiro se lança em um experimento que pode resultar em mais uma opção de terapia. Eles integram um imenso batalhão de investigadores que têm como único objetivo tornar o coração mais forte. Trata-se de um sonho nobre e também de uma urgência. Afinal, o órgão precisará bater num compasso afinadíssimo para dar conta de bombear o sangue em seres humanos cada vez mais longevos.

É de olho nas exigências do futuro que estão sendo desenhadas mudanças nos tratamentos do presente. Algumas das mais significativas ocuparam as principais discussões do American College of Cardiology, evento que reuniu cerca de 11 mil médicos de todo o planeta em Orlando (EUA), na semana passada, e é considerado um dos mais importantes da cardiologia mundial. Estudo divulgado no encontro, por exemplo, fez com que a comunidade médica passasse a discutir com mais ênfase uma alteração no limite permitido de colesterol ruim (LDL) em pacientes de alto risco (portadores de alguma doença cardíaca ou que acumulam pelo menos dois fatores de risco – hipertensão, obesidade, diabete, sedentarismo, fumo, entre os mais importantes). Hoje, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, essas pessoas devem manter o LDL abaixo de 100 mg/dl.

No entanto, o trabalho divulgado no congresso, batizado de TNT (do inglês Treatment to New Targets – Novos Alvos de Tratamento), mostrou que baixar essa taxa para 70 mg/dl é muito mais vantajoso. A pesquisa comparou o desempenho de dosagens diferentes da atorvastatina (nome comercial Lipitor), droga da família das estatinas usada no controle do colesterol. O grupo tratado com pílulas de 10 mg/dl manteve o colesterol em 101 mg/dl. O outro, que recebeu 80 mg, atingiu 77 mg/dl, em média. Essa diferença resultou em ganhos consideráveis. “Os que mantiveram o colesterol mais baixo tiveram 22% menos eventos cardíacos e apresentaram 25% menos riscos de sofrer um acidente vascular cerebral”, disse a ISTOÉ o pesquisador John LaRosa, da Universidade Estadual de Nova York e principal autor do trabalho.

A idéia de baixar ainda mais os níveis de LDL em pacientes de risco já faz parte do cardápio de opções oferecido pelo Programa Americano de Controle do Colesterol. Porém, ainda não é uma regra mundial. Até porque não havia sido feito um estudo tão abrangente como o TNT, que envolveu dez mil pessoas, em 14 países (avaliadas durante cinco anos), para analisar a hipótese. Suas conclusões, claro, seduziram os médicos. “A pesquisa traz dados fundamentais para mostrar que há ganhos em reduzir mais o colesterol de alguns pacientes”, defendeu o médico Scott Grundy, presidente do programa contra o colesterol dos EUA.

Dosagem – Acredita-se que a maioria das estatinas tenha esse efeito redutor. Outro estudo apresentado no congresso mostrou, por exemplo, que a combinação da ezetimiba com a sinvastatina (nome comercial Vytorin) também reduziu para menos de 70 mg/dl as taxas de LDL em indivíduos de alto risco. A manutenção de níveis mais baixos, entretanto, exige um tratamento com doses maiores de remédios, o que pode acarretar o surgimento de efeitos colaterais preocupantes, como inflamação no fígado. Vários especialistas sustentam, porém, que a chance de o problema ocorrer diminui quando há rigoroso acompanhamento médico. “As pesquisas mostram que isso pode ser feito com segurança se houver monitoramento dos pacientes”, conta o cardiologista Carlos Scherr, diretor do Hospital Souza Aguiar, no Rio.

No mesmo evento americano, outro trabalho abriu mais uma porta de mudança na maneira de tratar o coração. Desta vez, o alvo foi a hipertensão, importante agressor da saúde cardíaca. A pesquisa, iniciada em 1998, comparou os efeitos de diuréticos e betabloqueadores (gêneros de remédios que se encontram disponíveis na rede pública brasileira) com o uso de categorias mais modernas de drogas contra a doença: os bloqueadores dos canais de cálcio e os inibidores da enzima conversora de angiotensina. A conclusão é que esta última combinação teve impacto significativo na prevenção de um segundo acidente cardiovascular, reduzindo em 25% o risco de derrame cerebral, em 13% o de eventos coronarianos como o infarto e em 26% a mortalidade por problemas cardiovasculares em geral. Além disso, o estudo também revelou um aumento de casos de diabete entre os usuários de betabloqueadores + diuréticos. Um dos pesquisadores, Peter Sever, do Imperial College de Londres, disse esperar que os resultados façam os médicos mudar as regras de tratamento atuais, colocando a combinação mais poderosa como a primeira opção. O médico pernambucano Hilton Chaves, presente em Orlando, concorda. “Estamos assistindo a uma mudança de paradigma no tratamento”, assegura.

Outra fronteira cada vez mais ampliada, de olho no futuro, é a investigação genética. No congresso americano, foram apresentados cerca de 90 trabalhos sobre o tema. O objetivo é levantar as alterações nos genes associadas às doenças cardíacas e, a partir dessas informações, criar métodos diagnósticos mais precisos e tratamentos diferenciados. “Esse tipo de identificação permite indicar terapias mais agressivas para prevenir o desenvolvimento das doenças”, explica o cardiologista Otavio Rizzi Coelho, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, que esteve nos EUA.

Simultaneamente à corrida para conhecer a interação entre o órgão e a genética, outra revolução começa a mostrar a que veio, mudando para sempre o cuidado com o coração: a terapia com as células-tronco, capazes de se transformar em vários tecidos do corpo. Hoje, a cardiologia já reúne inúmeros exemplos de trabalhos com resultados promissores, embora sejam experimentais. Mas eles vão se multiplicar, inclusive no Brasil. Dentro de no máximo 60 dias, o Ministério da Saúde iniciará um projeto que está sendo cantado como a maior pesquisa realizada no mundo sobre o uso dessas estruturas no tratamento de doenças do coração. A idéia é acompanhar a saúde de 1,2 mil pessoas selecionadas em 33 centros de cardiologia.

Serão estudados quatro problemas (infarto agudo do miocárdio, déficit de irrigação sanguínea no coração – consequência, por exemplo, de um infarto anterior –, doença de Chagas e coração dilatado). As células serão extraídas da medula óssea dos pacientes de cada uma dessas patologias. Metade dos voluntários receberá essas estruturas, junto com o tratamento convencional. Os demais seguirão somente a estratégia tradicional (como transplante, por exemplo). Após um ano, os médicos compararão a eficiência dos métodos.

Incentivo – Para esse projeto – chefiado pelo médico Antônio Carlos de Carvalho,
do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras (RJ) – está reservada uma
verba de R$ 13 milhões. É uma bela soma dentro do orçamento do Ministério da Saúde para pesquisas (R$ 70 milhões previstos para 2005, com a possibilidade de chegar a R$ 100 milhões com recursos vindos do Ministério da Ciência e Tecnologia). A intenção do governo é testar a terapia de forma definitiva de maneira a transformá-la em tratamento no SUS. “As doenças cardíacas custaram aos cofres públicos R$ 500 milhões em 2003. Se a pesquisa der certo, economizaremos recursos que serão empregados em outras áreas da saúde”, afirma Reinaldo Guimarães, diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde – o procedimento é mais barato do que um transplante, por exemplo. A megapesquisa foi recebida com entusiasmo. “Já sabemos, por meio de experiências em pequena escala, que o tratamento é viável. Agora chegou a hora de testarmos sua eficácia em grande escala”, afirma Bernardo Tura, integrante do projeto e médico do Instituto de Laranjeiras.

Além desse trabalho, as experiências com células-tronco vão seguir em outras frentes. Até porque há muito para descobrir. Um dos objetos da ciência, por exemplo, é saber que tipo de célula-tronco pode ser usado (há diversas fontes no organismo). Em Orlando, alguns estudos mostraram melhora no funcionamento do coração após a colocação das peças tiradas dos músculos da perna. Porém, são resultados que precisam ser confirmados em pesquisas maiores. “Quando o objetivo é repovoar a área cardíaca, a escolha dessas células parece ser mais interessante. Mas, se o que se quer é estimular o crescimento de vasos, opta-se por células tiradas da medula”, assegura Luis Gowdak, do Instituto do Coração (InCor). Na instituição, também se estuda se as células-tronco retiradas do tecido gorduroso podem recuperar as funções cardíacas. “Elas são mais facilmente extraídas do que as da medula”, diz José Eduardo Krieger, do InCor.

É claro que todas essas estratégias – as que ainda estão em pesquisa e as que virão – não dispensam os cuidados que os médicos não se cansam de repetir para os pacientes. É preciso incorporar hábitos saudáveis ao cotidiano para evitar problemas maiores amanhã. “Mudar o comportamento é o mais lógico, já que sabemos que as complicações estão muito associadas aos hábitos do dia-a-dia. Mas hoje é mais fácil ver as pessoas buscando remédios e outros tratamentos do que equilibrando a dieta”, observa José Antonio Ramires, presidente do InCor. Não foi o caso do administrador de empresas Marcelo Sasolari, 39 anos, de São Paulo. Depois de descobrir que era hipertenso e estava com o colesterol nas alturas, ele passou a tomar remédios, mas também transformou sua vida. “Tirei o pote de sal que ficava sempre do lado do prato e comecei a me exercitar diariamente”, conta.

As medidas para manter o coração protegido continuam as mesmas: exercitar-se ao menos três vezes por semana, alimentar-se sem abusar de frituras e doces, diminuir o stress e não fumar. Por que, então, é tão difícil seguir as regrinhas? “O problema está em querer mudar algo quando a pessoa está com 20, 30 anos. Ela já se acostumou a uma rotina. O ideal seria começar cedo a entender a importância dos hábitos. Outro complicador é ver que a toda hora surge uma notícia dizendo que algo faz bem e depois que essa mesma coisa faz mal. Para a ciência, o avanço se faz em verdades e desmentidos. Para a população geral, isso é bagunça”, diz Ramires. Para decifrar o que, de fato, fará bem, o melhor é conversar com o especialista. É ele que poderá indicar o que faz diferença e interpretar o que as pesquisas estão apontando. “Disseram que gargalhar faz bem ao coração. Isso pode entrar no futuro na lista dos hábitos saudáveis. Rir é uma forma de relaxar”, completa.

* A repórter Mônica Tarantino viajou a convite do laboratório Pfizer