Dum poema sobre o círculo vicioso da vida, Machado de Assis escreve sobre um vaga-lume que invejava o brilho louro da estrela, que por sua vez desejava ser a lua. Do alto de seu lume, a lua sentia ciúme da claridade do sol, que se pergunta, enfim, por que não nascera um simples vaga-lume. Descrito pela primeira vez no Brasil em 1587, numa carta endereçada ao rei espanhol Filipe II, o fenômeno da luminescência desses pisca-piscas naturais inspira poetas e crianças há séculos, mas continua um mistério para a ciência. Depois de dois anos de experiências, dois casais de pesquisadores da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, publicaram na edição da semana passada da revista americana Science mais uma peça do quebra-cabeça para compreender a enigmática luz emitida por esses coleópteros, nome científico do grupo dos besouros.

A equipe de médicos, neurologistas e ecologistas descobriu que a mesma substância responsável pelo controle da pressão sanguínea que leva à ereção do pênis serve de mensageira entre o impulso elétrico emitido pelos neurônios do vaga-lume e o disparo do flash luminoso. O óxido nítrico é um gás que atravessa a membrana das células e é produzido pelo sistema imunológico para proteger o corpo contra microrganismos invasores causadores de inflamações. Durante os dois anos de pesquisa, os cientistas americanos demonstraram que a lanterna dos vaga-lumes se acende sempre que se estimula a produção do óxido nítrico. “Essa substância é um fator relaxante que controla a pressão do sangue nas veias e artérias e tem papel importante em remédios contra impotência, como o Viagra, mas também funciona como sinalizadora das reações bioquímicas, uma espécie de mensageira neuronal que, a partir do impulso do vaga-lume de emitir um flash, acende sua lanterna”, explica o bioquímico mineiro Etelvino Bechara, professor-titular do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e um dos poucos brasileiros integrantes da elite internacional de cientistas que estudam besouros luminescentes.

Fêmea fatal – O vaga-lume é um bicho romântico por natureza. Ele dispara seus flashes em pleno vôo nupcial, para cortejar a fêmea. Em algumas espécies, como a Photuris sp estudada pela equipe americana, a fêmea fatal imita o brilho e a intensidade da luz de outra espécie para atrair o macho e depois abocanhá-lo. As lanternas biológicas funcionam como sistemas de comunicação para o acasalamento dos insetos. A intensidade, a velocidade e a frequência dos flashes variam de acordo com a espécie. As cores de suas lanternas oscilam do verde-amarelado ao laranja, passando pelo vermelho, cor emitida por um único grupo de coleópteros que só se pode encontrar no Brasil.

Existem três famílias de besouros luminosos. Os lampirídeos são propriamente os vaga-lumes. Sabe-se que no País há 350 espécies desses besouros, que acendem a lanterna posicionada no abdome, na porção inferior de seu corpo. Os elaterídeos, ou pirilampos, acendem um par de lanternas fixas na cabeça e emitem o barulho que lhes deu os apelidos tec-tec ou tuco-tuco, em tupi-guarani. Há registros de 590 espécies de pirilampos em solo nacional. O último grupo reúne os exóticos fengodídeos, uma exclusividade brasileira chamada popularmente de trenzinho ou bondinho. No território brasileiro há 49 tipos de trenzinhos, cujo dorso é coberto por uma dupla fileira de velas biológicas.

A maior parte dos besouros luminosos brasileiros está no Centro-Oeste, em especial no cerrado, terra dos “cupinzeiros luminosos”, um verdadeiro jantar à luz de velas naturais. Ao iluminar suas presas, os vaga-lumes atraem animais rasteiros que também se alimentam de cupins, entre os quais aranhas, lacraias e escorpiões. Aos pés das árvores, esses bichos são engolidos por pássaros noturnos predadores, cujas fezes fertilizam o solo ao redor do cupinzeiro. O solo rico faz brotar a vegetação que servirá de alimento ao vegetariano cupim, completando assim um ciclo de vida.

Os besouros luminosos não são os únicos representantes do mundo animal a irradiar luz, fenômeno presente em algumas algas marinhas, por exemplo. “Mas a bio-luminescência vermelha do trenzinho só tem paralelo na natureza nos cardumes de peixes-lanterna, no mar Vermelho, e na mosca azul das cavernas de Waitomo, na Nova Zelândia”, ensina Bechara. Na maioria dos casos, os bichos emitem luz própria para buscar alimento, o que não ocorre com os vaga-lumes, que passam quase toda a vida adulta num pisca-pisca frenético à procura da alma gêmea.

Há algumas décadas já se sabe que o brilho desses besouros é produzido pela reação bioquímica entre o oxigênio e um combustível biológico chamado luciferina, durante o processo de respiração das células. Essa reação é acelerada por uma enzima chamada luciferase. A luz resulta da dissipação de energia durante a queima desse combustível biológico. O estudo publicado na semana passada consegue provar o papel ativo do óxido nítrico como uma molécula mensageira que faz ligar e desligar a lanterna desses insetos. “Mesmo depois de tantos estudos, ainda permanece obscuro o mecanismo de produção do brilho dos coleópteros”, conclui o professor Etelvino Bechara, que há 20 anos se dedica ao estudo de besouros luminosos e viaja duas vezes ao ano à cata dos bichos cuja luz deve continuar a servir de inspiração aos poetas.