Curante muito tempo, a cineasta carioca Carla Camurati acreditou numa história do pai que, quando criança, jurava ter presenciado uma recepção ao então primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Na ocasião, o premier teria avançado faminto sobre um bolo feito por Enrico, avô da cineasta e confeiteiro-chefe do Hotel Copacabana Palace, e arrancado uma grande fatia. Que Enrico fazia bolos maravilhosos é pura verdade. Mas a vinda de Churchill nunca aconteceu. Mesmo assim, Carla decidiu homenagear o pai e o avô, contando o episódio na deliciosa comédia Copacabana, com estréia nacional na sexta-feira 6. A lenda familiar é uma das passagens divertidas do filme, que reconstrói momentos gloriosos do famoso bairro carioca, através das recordações de Alberto – fotógrafo solteirão e bon-vivant –, às vésperas de completar 90 anos.

Numa interpretação detalhista, Marco Nanini encarna o velhinho com medo da morte, no seu cotidiano acostumado a cruzar com prostitutas, travestis e garotos do morro. Suas memórias, contudo, são bem mais agitadas. Incluem jogatinas e bailes no Copa, carnavais à luz do dia, noitadas no cabaré de Mère Louise, a passagem do Zeppelin e até o resgate de um elefante em plena areia. À exceção do vôo do dirigível e outras cenas documentais raríssimas, as reminiscências do personagem Alberto foram reconstituídas também em preto-e-branco com o esmero permitido por um orçamento de R$ 2,7 milhões. Mas o objetivo de Carla foi mais longe que o olhar nostálgico sobre o bairro que, no passado, polarizou a vida nacional. “Somos um país ligado na juventude. Quis falar da velhice de forma saborosa, mostrando seu lado ensolarado”, afirma a cineasta.

Como em Carlota Joaquina, princesa do Brazil, o humor é onipresente. Se faz sentir já no prólogo, quando Alberto narra sua história em off, direto do caixão, com ironia bem machadiana. Numa grande sacada, Carla filma o ponto de vista do defunto, mostrando um céu infinito semelhante a uma nave de igreja. Esta foi igualmente a primeira imagem que marcou Alberto, ao ter sido abandonado pela mãe e depositado por Nossa Senhora de Copacabana – isso mesmo! – no altar da antiga igrejinha que deu nome ao bairro. Ao redor do caixão, está reunida sua divertida turma da terceira idade, formada por irmãs solteironas, viúvas fogosas e velhinhos de língua afiada, todos representados por um elenco admirável, incluindo Myriam Pires, Laura Cardoso e Renata Fronzi, sem falar do antológico travesti Rogéria, encarnando a própria. Eles emendaram a noite do aniversário com o velório, já que Alberto resolveu bater as botas no mesmo dia. Entre reminiscências e várias surpresas, vai sendo contada a história do bairro e dos amigos através da irreverência, marca registrada de Carla. “A vida não é drama, mas comédia e tragédia. Deve ser levada a sério só até a página seis”, diz Carla.