Nem parece que foi há meio século que Carmen Miranda chacoalhava os ânimos dos americanos com uma dança explosiva e fazia o Brasil cintilar internacionalmente. Pois ela é novamente notícia nos palcos cariocas em produções diversas que certamente vão fortalecer ainda mais o seu mito. A trilha dos balangandãs é farta. Começando por South american way – Carmen Miranda, o musical – superprodução de R$ 1,2 milhão, dirigida e escrita por Miguel Falabella em parceria com Maria Carmem Barbosa –, seguida de Eduardo Dussek, que faz sucesso com Carmen Miranda by Dussek (CD, songbook e show) e de Ney Matogrosso com o show Batuque, no qual relembra canções dos anos 30 e 40, entre elas Tico-tico no fubá, conhecidíssima na voz da Pequena Notável. Dussek – ele agora acrescentou mais um “esse” ao sobrenome –, após temporada no Teatro Leblon, cai na estrada até Portugal, enquanto Ney segue em turnê pelo Brasil. Para completar a onda, na quinta-feira 5 chega a vez de as cortinas, também cariocas, se abrirem para Cantoras do rádio – estão voltando as flores, com roteiro e direção de Ricardo Cravo Albin, em que Carmen e a irmã Aurora são personagens de uma história frenética e curta. A bombshell brasileira morreu aos 46 anos, em 5 de agosto de 1955, vítima de colapso cardíaco.

Minissérie – Carmen era do tempo do rádio, mas a sua lenda parece ter magia suficiente para chegar à tevê de hoje. A produtora Cinthya Graber, responsável por South american way e detentora dos direitos de imagem da cantora para teatro e televisão, tem planos para uma minissérie. “Assim que o musical estiver maduro, começo a cuidar disso”, conta ela. Cinthya não descarta a possibilidade de viajar aos Estados Unidos com o espetáculo. Carmen foi casada com o americano David Sebastian, morou lá e até hoje tem fã clube local. Dussek confirma. Em 1997, ele contracenou com Marília Pêra no show A tribute to Carmen Miranda, no Lincoln Center, em Nova York. “Tinha 15 mil pessoas urrando o nome dela”, afirma o cantor e compositor. Ao que parece, South american way também tem credenciais para ser levado ao Primeiro Mundo. No seu elenco, 19 atores, comandados por Stella Miranda e Soraya Ravenle, dividem os papéis de Carmen Miranda em momentos diferentes da vida. Obviamente, o enredo passa por grandes sucessos como Taí, Adeus batucada e O que é que a baiana tem?, desfilados com o luxo de mais de 200 figurinos, assinados por Cláudio Tovar. Segundo Falabella, a importância do musical é resgatar a estima de povo brasileiro. “O que felizmente não foi destruído por anos de desrespeito à cidadania”, diz ele.

Na outra ponta da homenagem, vestido com roupas que lembram as baianas estilizadas de Carmen, Ney Matogrosso apresenta oito músicas do repertório dela em seu espetáculo Batuque, que estará em São Paulo entre 27 e 29 de julho. Quando começou a fazer a pesquisa musical para o disco de mesmo nome, Ney pensava em cantar apenas a Pequena Notável. Mas acabou optando por abrir o leque às músicas das décadas de 30 e 40. “Foi difícil, porque ela era a estrela máxima da época”, diz Ney. A opção de Dussek foi mais emocional. “Eu não sou fã dela, sou refém!”, enfatiza. Fiel ao seu estilo irreverente, ele constrói um texto divertidíssimo para contar a história do primeiro grande nome internacional da MPB. Acompanhado pelo seu piano, por Chico Costa no saxofone e Beto Cazes na percussão, Dussek tem conquistado platéias grisalhas e jovens. É possível dar uma roupagem moderna ao estilo da cantora precursora das drag queens? Certamente. “As músicas que ela gravou são referências de um tempo, mas continuam atuais. Se Carmen aparecesse hoje, corresponderia a Marisa Monte, por exemplo.”

O estudioso de música popular brasileira Ricardo Cravo Albin diz que a cantora consegue atrair os jovens que apreciam a boa música dela e de outros nomes da época de ouro do rádio, como Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida, Dolores Duran, Linda e Dircinha Batista, todas representadas em Cantoras do rádio – estão voltando as flores, sob seu comando. Para ele, a coincidência de vários espetáculos gravitando em torno do mesmo mito é raro sinal “de lampejo, de resgate de uma das mais brilhantes pérolas da música brasileira”. Albin garante que fará uma correção histórica importante no musical. Vai relembrar também o talento de Aurora Miranda, apagado pelo sucesso da irmã. “Ela sempre foi esnobada”, afirma.

Bom humor – A verdade é que Carmen não deixava espaço para ninguém. Qualidade artística, beleza, bom humor, originalidade, tudo convergia a seu favor. Suas roupas e turbantes foram criados por ela própria, uma estilista nata que chegou a trabalhar como chapeleira nos tempos do dinheiro curto. Na década de 30, já era “o” sucesso da geração radiofônica brasileira. Para ampliar horizontes, o jeito era levar sua vitalidade e alegria para outras terras. Ao final daqueles anos desembarcou nos Estados Unidos com suas sandálias plataforma e virou a cabeça dos americanos. Projetou-se através do ator Tyrone Power. Em visita aos trópicos, ele se encantou com Carmen e alardeou seu talento na América. Pouco tempo depois, a bombshell arrasava. Acabou sendo crucificada por causa do sucesso no Exterior. No Brasil, diziam que havia adotado um novo país. Carmen Miranda nem era brasileira. Nasceu em Portugal, em 9 de fevereiro de 1909, mas passou a morar no Rio de Janeiro antes de completar um ano. E é com extrema brasilidade que até hoje seu chica-chica bum agita corações brasileiros e gringos.