O dr. Stevens Kastrup Rehen é um homem com bagagem repleta de surpresas. Exemplos: quebrou o dogma científico que estabelecia em 46 o número de cromossomos em todo o organismo humano: pele, sangue, órgãos, etc. Cromossomo, sabe-se, é a estrutura composta de DNA, normal-
mente associada à proteína e que contém genes arranjados em sequên-
cia linear. Na próxima edição do Journal of Neuroscience – espécie de Diário Oficial da Sociedade Americana de Neurociência –, será revelado que no cérebro humano existem células aneuplóides (aquelas com número alterado de cromossomos). Até agora, acreditava-se que só indivíduos portadores de anomalias como síndrome de Down, ou câncer, tinham essa mutação. A descoberta não apenas bagunça com o limite de 46, mas escancara novos territórios a serem explorados. Outro fato insuspeito: pesquisador da área de neurologia, aos 33 anos – e cinco na Califórnia – Stevens Kastrup Rehen é brasileiro.

“O cérebro de animais, como ratos ou gatos, tem características próprias. O cérebro humano é um mosaico, com várias partes possuidoras de propriedades de outras espécies. Ao mesmo tempo, ele é único. Cada pessoa tem cérebro com traços individuais. Numa área as células têm 46 cromossomos, noutro ponto têm 45 cromossomos, e em outro terão 47. Tais combinações variam entre os seres humanos”, diz Rehen. Ou seja: cada um de nós carrega dentro do crânio um mosaico que é como uma impressão digital, única, personalizada. Isso leva a crer que as variações do número de cromossomos nos neurônios também são responsáveis pelas diferenças dos comportamentos e propensão a doenças.

A presença, no cérebro, dessas células com números de cromossomos alterados é indicativo forte de que várias moléstias – como o mal de Alzheimer – estão relacionadas a essa característica. Vai-se outro dogma: acreditava-se que apenas as pessoas com síndrome de Down portavam células aneuplóides – com três cópias do cromossomo 21. As pessoas com a síndrome, se chegam aos 40 ou 50 anos, desenvolvem também o mal de Alzheimer. “É possível especular que o cromossomo 21 está relacionado com o Alzheimer”, diz Rehen. Essa é uma má notícia, pois o cientista brasileiro e sua equipe descobriram que outras pessoas não portadoras de Down também têm triplicidade do cromossomo 21, onde está o gene responsável pela produção de placas específicas do Alzheimer.

Há ainda notícias boas: “Caso consigamos estabelecer essa relação entre o cromossomo 21 e o Alzheimer – o que depende de novas pesquisas –, vamos poder detectar a suscetibilidade à doença num paciente. Se ele tiver mais células com triplicidade do cromossomo 21, sua propensão ao mal de Alzheimer será maior”, diz. Para determinar essa tendência, será necessário apenas a biópsia de um pedaço da pele, já que epiderme e neurônios têm os mesmos tipos de células.

O inesperado, em Rehen, parece não ter fim. Como foi que ele conseguiu derrubar uma crença – a dos 46 cromossomos – que se estabelecera desde 1958? “Contamos o número de cromossomos em neurônios, o que não havia sido feito”, responde o doutor. Há motivos para a falta de curiosidade. A sequência de genes do cromossomo é visível ao microscópio na divisão celular, mas neurônios não costumam apresentar esse processo de partilha. “Não existia tecnologia para contar os cromossomos no neurônio. Hoje, temos um processo de coloração, que permite a identificação fácil no computador.” Rehen foi buscar no banco de cérebros dos EUA nove mil células de pacientes entre dois e 86 anos sem indício de doença neurológica. Foi com esse material que ele fez suas descobertas. Entre elas, a de que as células do cérebro têm entre sete e dez vezes mais números alterados de cromossomos do que as células do sangue.

E quando essas descobertas vão resultar em aproveitamento prático? “Entre dez e 20 anos. Mas quem sabe? A ciência fez enorme progresso com células embrionárias. Pode ser que consigamos resultados mais cedo”, diz o neurocientista, ele próprio um batalhador pela causa das células-tronco, que se transformam em outras células e podem servir como peça de reposição. Na Califórnia, os fundos privados reservaram US$ 3 bilhões para pesquisas com células de embriões. Mesmo assim, Stevens Kastrup Rehen, que tem ascendentes na Dinamarca, Rio Grande do Sul, França e Bahia, está voltando ao Brasil. Aí não há surpresa: ele diz que deseja contribuir para a melhoria da questão social no País.