As eleições deste ano encerraram o último capítulo de um enredo iniciado a partir das manifestações que levaram milhares de pessoas às principais avenidas do País, em junho de 2013. O desfecho, no entanto, passou ao largo dos ecos das ruas. Durante as jornadas de junho, se convencionou que a população bradava contra os partidos, a polarização e um sistema político que estimulava o toma lá dá cá por verbas e cargos na administração pública. O alvo da ira dos manifestantes foi tudo o que as urnas chancelaram neste primeiro turno. As eleições presidenciais levaram para o segundo turno os dois partidos hegemônicos da política nacional nos últimos 20 anos, PT e PSDB. No pleito para o Congresso, o eleitor não só manteve a necessidade da negociação no varejo político, fragmentando o Parlamento que a partir do próximo ano terá 28 partidos representados, como impulsionou bancadas cujas bandeiras estão na contramão das manifestações populares de junho, como as chamadas bancadas da bala, a evangélica e a ruralista. “Isso é produto da alienação. Quem foi para a rua, em grande medida, foi pedindo mudanças. Mas sem ter uma liderança capaz de direcionar e coordenar (o movimento). Era ‘contra tudo o que está aí’”, lamenta o diretor do Diap, Antônio Augusto Queiroz. “O novo Congresso é, seguramente, o mais conservador desde a redemocratização”, afirma.

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No Legislativo que toma posse em fevereiro de 2015, emergem ou ganham força figuras que representam a velha política. Aos 56 anos de idade, 25 deles na política, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi reeleito com 232.708 votos e já tem no horizonte uma nova disputa. Embora não goste de falar no assunto, o líder da bancada do PMDB é a aposta do partido para ocupar a presidência da Câmara em 2015, quando inicia o quarto mandato federal.

Cunha foi o terceiro deputado mais votado do Estado e o campeão de votos do PMDB. Na noite do domingo 5, comemorou: “Aumentou o número dos meus patrões”, como se refere aos eleitores. “Tenho um forte eleitorado evangélico, que não me faltou. Mas perdi muitos votos para o Bolsonaro”, calcula. Jair Bolsonaro (PP) foi o deputado mais votado do Rio, com 464.572 votos.

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RETROCESSO
Desde a redemocratização, o Congresso nunca foi tão conservador como agora

Suas principais bandeiras são a luta contra o aborto, contra o casamento gay e contra a legalização das drogas. “Há um segmento conservador que, ao vê-lo combatendo figuras mais progressistas, se identifica”, reconhece o cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael. Fiel da igreja Sara Nossa Terra, Cunha mistura, nas redes sociais, a publicação de propostas e salmos na mesma medida. Na mesma toada do proselitismo religioso, o pastor Marcos Feliciano foi reeleito por São Paulo com quase 400 mil votos, o dobro do que ele obteve na eleição anterior. Nas manifestações do ano passado, de norte a sul do País, uma das principais bandeiras do protesto era “Fora, Feliciano”, o parlamentar que foi acusado de homofobia quando chegou à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara (CDHM). “A cada eleição há uma piora na qualidade da representação. Isso é muito triste, revoltante e acaba comprometendo a própria democracia. Demos um passo inacreditável para trás na representação da Câmara dos Deputados nesta eleição”, afirma a deputada federal Luíza Erundina, reeleita.

Dos 513 parlamentares da Câmara, somente 43,58% dos mandatos foram renovados. A contabilidade eleitoral mostra que apenas 198 deputados federais são, de fato, novatos. Esse percentual é menor do que o verificado em 2010, que chegou a 46,4%. “Falta educação política”, entende Queiroz. A nova radiografia do Parlamento significa que o próximo presidente, seja Aécio (PSDB), seja Dilma (PT) deverá enfrentar dificuldades para aprovar propostas no Parlamento. A governabilidade ficará mais difícil. As negociações com cada um dos 28 partidos, mais complicadas. E as pressões por espaço num futuro governo, maiores. Mais uma vez, a velha e carcomida estrutura política brasileira se impôs sobre os clamores das ruas.

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