O discurso do governo Lula sobre a crise americana mudou. O vilão da hora continua a ser o presidente George W. Bush, mas o Brasil sofrerá as conseqüências da escassez de crédito internacional e da freada de arrumação nos EUA e na Europa. Não dá para ficar de braços cruzados e o novo tom foi dado por Lula durante encontro com os presidentes da Venezuela, da Bolívia e do Equador, em Manaus: “A crise é tão profunda que não sabemos o tamanho. Talvez seja uma das maiores que o mundo já viu”, afirmou, ressalvando que o Brasil fez o dever de casa, ao contrário dos EUA. Mais do que o discurso, na última semana Lula pôs em campo seus três mosqueteiros da economia – os ministros do Desenvolvimento, Miguel Jorge; da Fazenda, Guido Mantega; e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles – para pensar medidas preventivas. “Não podemos esperar o problema acontecer e depois correr atrás do prejuízo”, explicou o ministro Miguel Jorge. Os problemas já estão aí. E a atuação de Miguel, Meirelles e Mantega, o M3 de Lula, definirá a gravidade do impacto da crise no Brasil.

As torneiras de crédito internacional se fecharam e algumas empresas brasileiras têm dificuldades para levantar financiamentos. “Ninguém está emprestando a ninguém. A escassez de crédito atinge todo mundo”, afirma o economista Ilan Goldfajn. Caíram também as linhas de crédito para exportações. E a competição entre os tomadores de crédito, segundo Goldfajn, “contribui para elevar o custo de captação”. O efeito mais perverso é a interrupção de projetos empresariais e ºredução nos volumes de exportação. Logo, não se deve contar com um desempenho brilhante da balança comercial no próximo ano. “Somos parte do mundo e vamos ter de agüentar as conseqüências. Dos canais de transmissão da crise o mais importante é o do crédito”, afirma o ex-ministro Delfim Netto.

No Palácio do Planalto, em reunião com o grupo de coordenação política na quarta-feira 1º, Lula cobrou da equipe econômica medidas compensatórias. “Cuidem do crédito. O Natal está aí. Temos de cuidar do crédito para os exportadores, para os industriais de outros setores, para os agricultores e para as pessoas físicas”, ordenou. À tarde, o “mosqueteiro” Mantega anunciou que o Banco do Brasil repassará aos produtores R$ 5 bilhões para a próxima safra de grãos. “Vamos continuar trilhando o caminho do crescimento”, disse Mantega. E na noite da quinta- feira 2, o BC alterou as regras do depósito compulsório, para injetar mais R$ 23,5 bilhões na economia. O objetivo é aumentar a liquidez dos pequenos e médios bancos comerciais.

O outro mosqueteiro, Henrique Meirelles, voltará a ser testado. “A situação é severa, mas não podemos tomar medidas precipitadas”, pondera. Neste momento de incerteza, duas variáveis são cruciais: o câmbio e os juros, fatores que afetam a vida de todos os brasileiros. A taxa de câmbio não parou de subir desde a falência do Lehman Brothers em 15 de setembro. O BC interveio, realizou leilões, mas não impediu que a cotação do dólar atingisse R$ 2,02. Na opinião dos especialistas, o BC tem de agir com sintonia muito fina. Se forçar a mão nos leilões, vai manter a cotação em nível artificial, porém verá seu colchão de reservas se esvaziar numa hora inoportuna. O dólar valorizado também atuará na contramão da baixa nos preços das commodities, podendo alimentar a inflação.

Quanto aos juros, tudo indica que o BC voltará a aumentar a taxa na reunião de 28 de outubro. “A decisão dependerá da intensidade do processo de desaceleração da economia internacional”, prevê o ex-diretor do BC Carlos Thadeu Freitas Gomes, hoje na Confederação Nacional do Comércio. A nova alta, na visão do mercado, ficará entre 0,25% e 0,5%. Mas deve ser o último ajuste sancionado por Meirelles. Acontece que, na prática, como reflexo da retração do crédito, os juros já estão em alta. “A tendência vai ao encontro do trabalho sujo que o BC fez nos últimos meses”, diz Gomes. Com a liquidez em baixa, bancos de pequeno porte encontram dificuldade para captar recursos. Resultado: o custo dos empréstimos para empresas e pessoas físicas está subindo. E o prazo de financiamento ao consumo está caindo. A indústria automobilística, por sinal, já tirou o pé no ritmo de produção.

Num cenário de crédito curto, dólar valorizado, juros em alta e queda nas exportações, os três mosqueteiros terão muito trabalho pela frente. É consenso entre os economistas que, em 2009, o PIB não vai crescer entre 4,5% e 5%. Será mais modesto. Mas nada que chegue a amedrontar. Delfim Netto, por exemplo, acredita que o efeito residual do crescimento deste ano, de 5%, já garante algo em torno de 2,8% para o ano que vem. “A não ser que ocorra uma tragédia, a economia vai crescer entre 3,5% e 4% em 2009.” Até agora, portanto, não há motivo para pessimismo. O Brasil será atingido pelo vendaval, mas nada que abale os pilares sólidos fincados nos últimos anos.