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TENSÃO
No afresco de Michelangelo, o rosto de Adão denuncia um tipo de dor originada na região cervical

A arte e a medicina caminham juntas há muito tempo. O artista florentino Leonardo da Vinci, por exemplo, dissecava corpos para tornar seus trabalhos perfeitos. Agora, esse casamento tão harmônico tem um novo capítulo. Em todo o mundo, universidades estão usando algumas obras-primas para ajudar os estudantes a compreender melhor a anatomia humana, a reconhecer sintomas e a desenvolver qualidades importantíssimas para um bom médico – a capacidade de observação, por exemplo.

No Brasil, o neurologista José Geraldo Speciali, professor da Universidade de São Paulo no campus de Ribeirão Preto, foi um dos primeiros a incluir esse artifício nas suas aulas. Especialista em dor de cabeça, o médico teve a ideia de utilizar o recurso da arte no ensino da medicina durante uma visita a um museu, em Londres, na Inglaterra.“Comecei a notar que, em determinadas telas, havia sinais típicos de dor”, lembra. “Vi que as pinturas poderiam ser uma maneira criativa de auxiliar os alunos a identificar em seus pacientes alterações faciais específicas de cada tipo de cefaleia.”

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Um exemplo exibido pelo médico aos estudantes é “O Grito”, do norueguês Edvard Munch. “A expressão revela uma dor alucinante típica da cefaleia em salva”, diz o especialista. Este gênero de dor de cabeça é um dos piores conhecidos e caracteriza-se por uma dor que surge em ondas lancinantes. “O personagem ainda tem a pálpebra caída, mais um sinal apresentado nessas condições”, complementa Speciali. Outra obra que serve para ilustrar a dor, segundo o médico, é o afresco “A Expulsão do Paraíso”, de Michelangelo, pintado no teto da Capela Sistina, no Vaticano. “Na imagem, Adão traz no rosto uma expressão clara de quem sofre de cefaleia cervicogênica, dor que tem origem na região cervical”, diz.

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SINTOMAS
No quadro “O Grito” (ao lado) há a representação de dor.

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Apaixonado pela arte, o embriologista Armando Bezerra, professor de história da medicina da Universidade Católica, de Brasília, também costuma levar as imagens de telas para a sala de aula e até para as palestras médicas. “É uma forma de motivar e enriquecer o conhecimento dos alunos”, justifica. “E, nas palestras, quebra a monotonia e desperta mais o interesse dos participantes”. Um dos exemplos que Bezerra costuma citar é o quadro “Autorretrato”, do holandês Van Gogh, no qual o pintor aparece sem uma das orelhas. Na avaliação do médico, o artista sofria de distúrbio bipolar – doença caracterizada pela alternância de humor. E a obra retrataria a auto-mutilação durante uma crise. No quadro “Baco”, de Caravaggio, os lábios arroxeados e a pele, mais amarelada, compõem sintomas típicos de cirrose hepática, segundo o médico.

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SINTOMAS
Na tela “Baco”, o tom da pele do rosto é característico de cirrose.

Nos Estados Unidos, várias instituições também recorrem aos mestres da arte. Algumas, como a Mount Sinai School of Medicine, em Nova York, levam os estudantes a lugares como o Metropolitan Museum. Lá está, por exemplo, a tela “Abraão Expulsando Hagar e Ismael”, do holandês Nicolaes Maes. A obra retrata uma passagem bíblica segundo a qual Abraão manda embora a escrava Hagar e o filho que teve com ela, Ismael. No circuito que percorrem no museu, os estudantes são estimulados a observar o quadro. O objetivo dos professores, nesse caso, é fazer os jovens refletirem sobre os prejuízos de uma decisão errada. Ao mandar os dois para longe e ficar apenas com seu filho legítimo, Isaac, Abraão acabou dando início a uma das grandes cisões mundiais: Ismael deu origem ao povo árabe e Isaac, ao povo judeu.

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SINTOMAS
E a orelha cortada, no “Autorretrato”, de Van Gogh, é exemplo de ato de portador de transtorno bipolar

São poucos ainda os trabalhos que mediram os resultados deste tipo de iniciativa para o cotidiano médico. Um deles, publicado no jornal científico da Associação Médica Americana, mostrou que há impactos em especial no desenvolvimento de maior capacidade de observação das situações de forma global. Isso, sem dúvida, é um ganho. Atualmente, um dos maiores esforços das escolas de medicina é fazer com que os alunos consigam realizar um retrato integral do paciente e não apenas avaliar sua queixa pontual. “Mas com a ajuda da arte, o médico passa a ver o doente com um olhar mais apurado”, acredita o médico Bezerra. “Ele consegue enxergar detalhes que poderão ajudar no diagnóstico do que pode estar errado.”

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AULAS
Speciali usa criações de artistas como Picasso nas atividades com os alunos

 

A Arte na Medicina


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