O crítico alemão Andreas Huyssen, que é um pensador sobre as relações entre arte e memória, afirma que o século XX não produziu ruínas, só escombros. Diz isso em referência às sequelas das experiências traumáticas do século passado. O trabalho da artista gaúcha Romy Pocztaruk também é marcado por incursões à memória. Mas, à primeira vista, talvez não pelo viés da violência e sim do abandono e do descaso, apontando para a inconsequência de projetos progressistas, realizados sem sustentabilidade. Uma série fotográfica sobre a melancolia da vida em torno da inacabada rodovia Transamazônica, em exibição na 31ª Bienal de São Paulo até dezembro, e a série “Olympia”, que retrata resquícios de instalações esportivas para cidades-sede de Jogos Olímpicos, exposta na SIM Galeria, em Curitiba, trazem à tona escombros de sonhos esquecidos ou abortados. Revestidos de certa aura de mistério, ou mesmo suspense, esses espaços captados pelas lentes de Romy Pocztaruk podem chegar a evocar até mesmo o pesadelo, como no caso da carcaça fantasmagórica do Hotel Sarajevo.

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MEMORIAL DO DESCASO
Fotos da série Olympia mostram instalações abandonadas

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Em 1984, Sarajevo sediou as Olimpíadas de Inverno. Durante 11 dias, a cidade se converteu em grande símbolo de integração internacional por meio do esporte, mas apenas oito anos depois foi sitiada e mergulhada num dos mais dramáticos conflitos da era moderna, a Guerra da Bósnia. Soterrada por mais de três anos de atrocidades, a sombra do espírito olímpico se insinua nas imagens de antigos ginásios, estádios e pistas de esqui, captadas por Romy Pocztaruk. Com curadoria de Gabriela Motta, a exposição apresenta também um filme super-8 em preto e branco sobre locais desabitados de Berlim, sede dos Jogos Olímpicos de 1936, que foram instrumentalizados pela propaganda política do regime nazista. Atravessadas pela artista, essas histórias implícitas nas ruínas ou nos escombros de grandes obras e abusos aos direitos humanos conferem às fotografias um estatuto de memorial. “A ruína tem uma potencialidade monumental que me interessa como ideia e como fracasso de utopias, e também vestígio de um passado que anuncia o futuro”, diz Romy à Istoé.

Fato é que, a caminho da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, e diante do perigo de construção de mais um cenário de promessas não realizadas (como a Transamazônica, ideal de “integração nacional” irrealizada), “Olympia” propõe a urgência de uma reflexão sobre o embasamento humanista de nossas projeções de futuro.