O governo chinês enfrenta seu maior desafio político desde 1989, ano do Massacre da Praça da Paz Celestial, quando manifestantes foram às ruas pedir mais liberdade e foram violentamente reprimidos. Desta vez, quem tenta se impor é Hong Kong, ilha que viveu sob o domínio britânico por décadas, foi devolvida à China em 1997 e é um dos maiores centros financeiros do mundo. Na última semana, dezenas de milhares de pessoas se concentraram em frente à sede do governo de Hong Kong para protestar contra o Partido Comunista (PC) da China, defender a democracia e o direito de escolher livremente seu governante em 2017, como estava acertado. O movimento foi apelidado de a Revolução do Guarda-Chuva, por ser a forma que os manifestantes se protegem do gás lacrimogêneo e do spray de pimenta disparado por policiais.

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SÍMBOLO
Os guarda-chuvas viraram escudo para se proteger do spray de pimenta
e do gás lacrimogêneo da polícia. Abaixo, Joshua Chi-Fund,
17 anos, um dos líderes do movimento

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O estopim foi a declaração de Pequim de que o cargo de governança da ilha seria disputado apenas por candidatos aprovados antecipadamente por um comitê representativo do PC, decisão que causou revolta aos moradores. “É uma população familiarizada com o capitalismo e que não admite a perda da liberdade de opinião”, analisa o professor Alexandre Uehara, especialista em Ásia, da Universidade de São Paulo (USP). No acordo com os britânicos, ficou estabelecido que Hong Kong seria uma região administrativa especial, gerenciada com menor intervenção do governo e relativa liberdade de expressão. O regime ficou conhecido como “um país, dois sistemas”.

O início dos protestos estava programado para a quarta-feira 1º, data que marca a fundação da China Comunista, mas os grupos pró-democracia bloquearam as ruas que dão acesso aos escritórios da região antes do esperado. As manifestações são lideradas pelo “Occupy Central With Love and Peace” (Ocupe Central com Amor e Paz), movimento conduzido por um pastor batista de 70 anos e dois professores da Universidade Chinesa de Hong Kong. Entre os jovens, o líder é Joshua Wong Chi-Fund, 17 anos, que já havia se destacado há três anos no Scholarism, movimento que ajudou a engavetar um plano para implementar “educação patriótica” nas escolas.

Apesar da pressão popular, o governo chinês reiterou na sexta-feira 3 que não fará concessões aos militantes, acrescentando que a causa está “condenada ao fracasso”. Após cinco dias de intensos protestos, os confrontos se acentuaram quando grupos tentaram derrubar barricadas aparentemente contra os ativistas pró-democracia que paralisaram as principais avenidas da cidade. Dezenas de prisões já ocorreram. A tecnologia tem sido uma importante aliada para driblar a repressão e favorecer a comunicação entre os ativistas. O FireChat, aplicativo que permite a troca de mensagens sem o uso da internet, teve mais de 100 mil downloads em apenas 24 horas.

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Ainda assim, Pequim promete não ceder e advertiu a comunidade internacional que não admite interferências em assuntos internos. “O presidente Xi Jinping tenta dar a impressão de ser um líder forte e não gostaria de ser visto recuando diante da oposição das ruas”, disse à ISTOÉ Anthony Saich, diretor do Centro Ash para a Governança Democrática e Inovação da Universidade de Harvard. Para o PC chinês, há 65 anos no poder, manter-se firme em suas posições significa “cortar o mal pela raiz” e evitar o fortalecimento de outros grupos oposicionistas. “A garantia de estabilidade e de integridade territorial, assim como o sucesso econômico da China, garante a força do Partido Comunista”, afirma Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B e um dos maiores especialistas em Ásia do Brasil. “Para evitar o que ocorreu à União Soviética, a China evita a todo custo sua fragmentação.”