Quando uma pessoa comum quer protestar contra as mazelas políticas de um país democrático, ela comparece às urnas para registrar sua revolta através do voto ou sai às ruas para se manifestar. Na segunda-feira 29, o agricultor e ex-secretário municipal da pequena cidade de Combinado (TO), Jac Souza dos Santos, 30 anos, pôs em prática uma estratégia diferente, incompatível com uma reivindicação legítima. Naquela manhã, ele fez uma reserva no hotel St. Peter, em Brasília, chamou um mensageiro ao quarto e, com uma arma de brinquedo e um colete de explosivos falsos, sequestrou o homem por oito horas na varanda do edifício. Para libertar o refém, exigiu a extradição do italiano Cesare Battisti (condenado por homicídio na Itália e com abrigo no Brasil), a aplicação da Lei da Ficha Limpa (que impede a candidatura de políticos condenados por tribunais colegiados) e o fim da reeleição. Seu comportamento mostra a necessidade insana de atenção de uma pessoa atrás dos holofotes, e não um cidadão na busca pelo bem comum.

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SEQUESTRO
Segunda-feira 29: Jac Souza dos Santos mantém mensageiro de hotel
refém com arma e bomba falsas; no detalhe, o material apreendido

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A escolha do lugar não foi coincidência. Jac admitiu que mirou no St. Peter porque o hotel ofereceu emprego com salário de R$ 20 mil ao ex-ministro José Dirceu depois de sua condenação no caso do mensalão. Nem mesmo o andar de onde o sequestrador se exibiu para as câmeras e os 150 policiais que cercaram o prédio pareceu aleatório. Ele ficou no 13o piso, mesmo número do PT nas urnas eletrônicas. Já bem antes do crime, exibia um profundo interesse pelo poder. Antes de ser secretário da Agricultura na gestão do prefeito tucano Manoel Rebouças de Oliveira (2009-2012), foi candidato a vereador em Combinado pelo PP, e na escola já dava sinais de interesse pela política. “Era um aluno preocupado com questões sociais. No colegial foi presidente do grêmio e fez muitas ações voluntarias no colégio”, diz Helcio Coelho, que foi professor e diretor do local onde Jac estudou.

Conhecidos dizem que o sequestrador de Brasília nunca foi agressivo, apesar de apresentar uma personalidade intolerante. “Ele defendia sua opinião com unhas e dentes, nada o fazia mudar. Defendia uma revolução se o País não conseguisse resolver os problemas de um modo politicamente correto”, afirma Deibson Araujo, amigo de Jac. De acordo com o colega, nos últimos tempos ele começou a passar muito tempo isolado e a apresentar traços de depressão. “Houve momentos em que foi agressivo com ele mesmo. Ficava irritado sozinho na fazenda onde morava e uma vez arremessou uma pedra contra o vidro do próprio carro”, diz Deibson.

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ALVO
O sequestrador escolheu como alvo o hotel St. Peter, em Brasília,
que ofereceu emprego com salário de R$ 20 mil a José Dirceu após o mensalão

Antes de executar o plano no hotel, Jac escreveu cartas para a mãe em tom de despedida e gravou um CD pedindo desculpas pela ação e revelando que só queria chamar a atenção, e não machucar ninguém. O áudio foi entregue à polícia quando o sequestrador se rendeu sem deixar feridos. Os policiais apreenderam ainda cartas nas quais ele dizia ter uma doença fatal, mas o diagnóstico não foi confir­mado.“Tenho certeza que é uma personalidade carente de estima, que está sempre fazendo as coisas em busca da notoriedade. A intenção maior é chamar a atenção”, afirma a psiquiatra June Megre. Psicanalista, Marco Antônio Coutinho Jorge faz uma avaliação parecida. “Não posso ter certeza sem conhecê-lo, mas parece que ele tem um distúrbio mental, provavelmente psicose paranoica ou delírio megalomaníaco. É muito comum nessas situações ter aspirações políticas. Ele quer aparecer como um salvador da pátria, mas funciona por imitação, faz uma colcha de retalhos com fatos colhidos na imprensa”, diz. Alheio às discussões sobre sua sanidade, Jac, que está preso, dá declarações contraditórias. Ele reconhece que o sequestro foi seu “maior erro”, mas já planeja novas ações. “Tudo o que faço é pelo cidadão brasileiro. Deus predestinou que eu iria lutar e irei lutar. Não abaixarei a cabeça.”

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