A temporada de 2005 não começou bem para o piloto brasileiro Hélio Castro Neves e sua equipe, a Penske Racing. O quinto lugar em Homestead, a corrida de estréia da temporada da Indy Racing League, em Miami, no domingo 6, até que não foi um mau resultado, perto da batalha que acontece longe das pistas. Mais especificamente nos tribunais de Miami, onde Emerson Fittipaldi abriu um processo judicial contra Castro Neves. O bicampeão mundial de Fórmula 1, o brasileiro que desbravou os intrincados e seletivos caminhos do automobilismo mundial para mais de uma geração de pilotos verde-amarelos, alega que, depois de apostar em Castro Neves e colocá-lo em evidência no mundo das corridas, foi descartado e ficou de fora do contrato milionário que Castro Neves assinou com a Penske Racing.

A confusão começou em novembro de 1999, quando, depois de ter investido três anos na carreira de Castro Neves, Fittipaldi recebeu, via correio, uma carta em que Castro Neves dispensava seus serviços. Três dias depois soube, pela imprensa, do contrato assinado entre Castro Neves e a Penske, equipe pela qual ele próprio havia corrido por mais de sete anos quando era piloto da Fórmula Indy. Só que, segundo Fittipaldi, o contrato entre ele e Castro Neves tinha validade até o fim de 2004. Fittipal-
di foi atrás de Roger Penske, chefão da equipe e seu amigo há 30 anos, para saber o que tinha acontecido. Fittipaldi diz que queria saber de Penske como havia sido excluído do negócio entre a equipe e Castro Neves, sendo que havia apresentado os dois e era sempre ele quem negociava em nome de Castro Neves. Depois de ouvir de Penske que Castro Neves havia dito que Fittipaldi não mais o representava, Fittipaldi foi à corte americana para reivindicar o que considerava seus direitos. Indignado, Fittipaldi diz que é a primeira vez que vai à Justiça contra alguém: “Foi uma traição e uma ingratidão. Passei mais tempo com ele do que com minha própria família. Repassei toda a minha experiência de 25 anos de automobilismo para ele.”

Paraíso fiscal – No ano passado, Fittipaldi pediu US$ 2 milhões de restituição de prejuízos. O escândalo está armado e não pára por aí. Nos autos do processo vários pontos obscuros da transação entre Castro Neves e a Penske não foram esclarecidos. Pela argumentação da acusação, a quebra irregular do acordo poderia ter sido motivada por crime bem mais sério, ou seja, a provável intenção de fraude fiscal por parte de Castro Neves, o que também envolveria a Penske. A ação provocou um embate em corte do condado de Miami, onde Castro Neves contra-atacou com nove processos contra seu ex-padrinho. Na ocasião, o corpo de júri popular não levantou a bandeira quadriculada a nenhum dos dois. Todas as queixas foram consideradas sem mérito. Na segunda-feira 28 de fevereiro, Fittipaldi entrou com um apelo para revisão de processo na corte superior do Estado da Flórida.

ISTOÉ procurou Castro Neves repetidas vezes, mas o piloto não quis se manifes-
tar. Os advogados da Penske Racing – que também é implicada no processo
movido por Fittipaldi – alegaram que não falariam nada, pois o apelo ainda não
foi aceito pela corte.

Pelo que se viu no primeiro confronto em instância inferior, Castro Neves alega que Fittipaldi não cumpriu sua parte, e não comparecia às competições durante as temporadas. “O nosso contrato não estabelecia que eu deveria comparecer às provas. Meu trabalho era gerenciar a carreira dele, arrumar patrocinador, arrumar carro para ele guiar e ensiná-lo. E foi o que eu fiz durante três anos de minha vida, investindo energia, tempo e soma considerável”, responde Fittipaldi.

O empresário Luiz Garcia, pai do piloto Luiz Garcia Jr. e responsável pela captação de patrocínio no começo da carreira para vários pilotos, entre eles o próprio Castro Neves, diz que “Castro Neves está cometendo a maior das ingratidões”. Ele testemunhou no processo na corte americana e acusa Castro Neves de “tentar macular a imagem de Emerson Fittipaldi”.

ISTOÉ teve acesso às atas do processo, através do site de pesquisas US Search. O caso ocupa múltiplas pistas: parte da quebra de contrato, derrapando em manobras de evasão de divisas – segundo as leis brasileiras e americanas – e sonegação de impostos em dois países por Castro Neves, que mantém residência nos Estados Unidos e no Brasil. Aventa também a possibilidade de lavagem de dinheiro. São acusações sérias. Começa com o acordo de US$ 6 milhões assinado entre Castro Neves e a Penske. O piloto receberia US$ 1 milhão diretamente, e o restante viria de contrato de licenciamento do uso de sua imagem. Castro Neves preferiu receber os US$ 5 milhões restantes por intermédio de uma empresa sediada no Panamá, chamada Seven Promotion. Ele fechara contrato de captação de negócios de publicidade com esta empresa em abril de 1999, quando Fittipaldi ainda o representava com exclusividade.

A Seven Promotion é um mistério. Em depoimento no primeiro julgamento, o advogado de Castro Neves, Allan Miller, admitiu que não conhecia a empresa panamenha, mas que representou esta mesma companhia na assinatura do contrato a pedido de seu cliente piloto. A Penske Racing também afirmou durante o processo que desconhecia a Seven. Mesmo assim, concordou em depositar US$ 138 mil mensalmente, durante três anos, na conta desta companhia (depósitos que, na verdade, nunca ocorreram). Castro Neves, por sua vez, diz que nunca falou com nenhuma pessoa da Seven. “Apesar disso, ele teria assinado um contrato deste porte com a empresa. Como se explica isso?”, pergunta Alvis Davis, advogado de Fittipaldi. Há ainda o fato de que Castro Neves assinou o contrato representando a empresa no Panamá, o que leva Davis a desconfiar que o piloto tem participação mais profunda na firma.

Mesmo depois do fim do contrato entre a Seven, a Penske e Castro Neves, a empresa panamenha manteve o direito de uso sobre o nome e a imagem do piloto por mais 31 meses. Aumentando ainda mais o mistério desta triangulação, existe o fato de que o dinheiro não saiu da conta da Penske Racing durante o período de dezembro de 1999 a julho de 2002. Um fundo parado e sem gerar dividendos. O advogado de Castro Neves, Allan Miller, alega que ele ordenou que os depósitos na conta da Seven não fossem realizados, pois estava insatisfeito com os serviços da firma. De fato, a Seven não conseguiu arranjar um único negócio publicitário para Castro Neves, um piloto bastante famoso nos Estados Unidos e no Brasil. Ou seja: um traçado mais confuso do que aqueles da Corrida maluca. Explique-se: uma empresa panamenha, que é desconhecida pelas partes envolvidas, é contratada e retém a imagem de um atleta. São prometidos US$ 138 mil mensais por seus serviços. Não se faz nenhum negócio promocional através dessa firma. Seus honorários nunca foram depositados, mas, mesmo assim, esta companhia continuou retendo os direitos da imagem do cliente, sem que houvesse o rompimento formal do contrato.

Mais obstáculos na pista: em julho de 2002, Castro Neves e a Penske transferiram os direitos de imagem de Castro Neves para a empresa holandesa Fintage. A Seven cobrou apenas cerca de 6% dos US$ 400 mil pelos quais tinha direito pelo contrato. O advogado Miller justificou a transação, alegando que a Fintage faz parte da holding do Banco Fortis, que garantiria pagamento integral do acerto financeiro a Castro Neves, mesmo se houvesse a falência da subsidiária. Um acerto inócuo, pois a Fintage também não conseguiu fechar nenhum negócio publicitário em nome do piloto. “Se o Helinho tivesse continuado comigo, hoje ele já estaria correndo na Fórmula 1”, disse Fittipaldi a ISTOÉ.

No apelo à instância superior do Judiciário da Flórida, os advogados de Fittipaldi vão levantar perguntas que podem gerar problemas sérios, caso não sejam esclarecidas. A primeira delas se refere ao pagamento de impostos. Afinal, os US$ 5 milhões foram declarados no Brasil ou nos Estados Unidos? E o primeiro US$ 1 milhão foi tributado? Os dois países têm acordo de bitributação, um deles – ou os dois –, tem de abocanhar parte desta renda.

Outra questão afeta diretamente os bolsos de Fittipaldi. Ele quer saber por que Castro Neves só recebeu o dinheiro em 2005, quando o contrato com Fittipaldi havia perdido a validade.

Na primeira briga nos tribunais americanos, o corpo de jurados não viu mérito
nas queixas de nenhuma das partes. Juristas consultados por ISTOÉ, como o advogado Andrew Soleman, por exemplo, especularam que uma das razões para isso seria o fato de Castro Neves ter replicado com nove acusações, contra apenas uma de Fittipaldi. “O júri popular costuma se impressionar mais com quantidade
do que com qualidade de processos”, diz Soleman. Mas, na instância superior, o caso – se aceito – será julgado por um painel de três juízes, que baseiam suas decisões de modo distinto.