Dona Maria de Lourdes Vasconcellos acorda, toma o café da manhã e, pouco depois, um remédio para dormir. Somente um programa é capaz de motivá-la a ficar acordada ultimamente: ir à missa – duas, três vezes num mesmo dia. Ao padre, chegou a perguntar se poderia comungar muito. O religioso respondeu que sim, desde que não seja na mesma paróquia, no mesmo horário. Lourdes, 78 anos, é mãe de João José de Vasconcellos Jr., o engenheiro brasileiro sequestrado em Beiji, no Iraque, em 19 de janeiro, quando trabalhava na construção de uma usina termelétrica pela empreiteira Norberto Odebrecht. Seu carro foi atacado e duas pessoas morreram na operação assumida pelo Saraya Al Mujahedin. Desde então, silêncio, mistério, incógnita sobre o paradeiro. Lourdes foi arrancada de sua pacata rotina na mineira Juiz de Fora e jogada num turbilhão que inclui nomes como Al Qaeda, xiitas, Al Jazeera, símbolos de um mundo que não é o seu.

Desmaio – Na semana passada, quando soube que a jornalista italiana Giuliana Sgrena, que fora sequestrada também no Iraque, teria dito que Vasconcellos Jr. estaria morto, Lourdes chorou tanto que acabou desmaiando. Giuliana negou a informação. Mas essa triste notícia, sempre desmentida, tem feito parte da vida desta mãe de cinco filhos que já conheceu a inenarrável dor de perder um deles, há quase dez anos, quando Afonso morreu vítima de hepatite aos 36 anos. No desespero atual, o que não pode ser comparado acabou sendo sua medida. “Minha mãe disse que a dor é maior porque, quando ela perdeu um filho, perdeu de uma única vez. Agora, a perda é todo dia”, conta Isabel, uma das filhas.

Uma ordem foi dada à família: “Ela não quer que escondam nada. A notícia que houver tem de ser dada”, diz João José de Vasconcellos, 74 anos, o pai. Com olhar terno e voz suave, ele tenta “tocar a vida” de sempre em Juiz de Fora, onde criou a prole e reúne os 14 netos. “Durmo a noite toda sem tomar remédio. Mas durmo mais tarde e menos”, conta. Um dos hábitos adquiridos é assistir ao máximo de noticiários na tevê. Agora, ele também se dedica a outra tarefa: guardar recortes de jornais e revistas com notícias sobre o sequestro, além de pilhas de cartas, cartões, telegramas, bilhetes, novenas e mensagens religiosas enviadas por amigos e desconhecidos de várias partes do País. A apresentadora Hebe Camargo escreveu: “Tenho rezado todos os dias para a volta do João. Nossa Senhora de Fátima me prometeu que ele voltará.”

Um japonês que já esteve no Brasil, de nome Saru Sato, contou, em carta manuscrita e português sofrível, que tinha lido sobre o caso num site e gostaria de ajudar – e ensinou uma simpatia com sal grosso. Mais de 20 pessoas mandaram novenas – e Lourdes fez todas. “Estou guardando tudo para mostrar ao João quando ele voltar”, diz o pai. Em Juiz de Fora está difícil seguir a vida normalmente. “Na rua, todos querem saber se há novidades ou dizer que estão rezando. A gente não consegue mais andar uma quadra sem ser parado”, conta Vasconcellos. De qualquer forma, é em casa mesmo que todos querem ficar à disposição de possíveis notícias.