A crise da base aliada na Câmara dos Deputados deixou o Executivo vulnerável à pressão que mais teme: pelo aumento de gastos. Na última semana, as investidas miraram vários flancos. Prefeitos tentaram fatiar a reforma tributária para garantir R$ 1,5 bilhão a mais em repasses do Tesouro Nacional para os cofres municipais. Um contrabando na emenda constitucional que atenua a reforma da Previdência quase acaba com os limites salariais para funcionários públicos de todo o País. Governadores e prefeitos abriram nova campanha para renegociação de suas dívidas. Alvo da maioria dos trancos, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, encerrou a semana queixando-se ao presidente Lula que tem dedicado mais tempo a problemas da política do que da economia. Tudo isso em um contexto que mistura penúria financeira com acusações de que o governo anda gastando cada vez mais e mal. Na quinta-feira 10, Lula e Palocci reagiram às prensas múltiplas e contraditórias. “Não há espaço no curto prazo para redução da carga tributária”, disse o ministro da Fazenda durante a 11ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. “Não estou disposto a contribuir para que se jogue fora mais esta oportunidade”, disse Lula, prometendo que não mergulhará no descontrole fiscal pré-eleitoral.

No lance mais rumoroso dos últimos dias, Palocci foi obrigado a ceder para impedir que fosse para o brejo a reforma tributária, que pretende unificar as 27 legislações do ICMS e acabar com a guerra fiscal entre os Estados. Dois mil prefeitos reunidos na oitava edição de um encontro nacional lotaram gabinetes e corredores do Congresso Nacional em Brasília e quase conseguiram a aprovação na Câmara de um único item da reforma: o que engorda em 1% os repasses da União às prefeituras, abandonando todo o resto. Em uma reunião na quarta-feira 9, as lideranças da Câmara, inclusive da base aliada, deixaram claro a Palocci que não tinham força para barrar a disposição dos deputados para fazer a vontade dos prefeitos. “O dinheiro (do repasse) não está no Orçamento deste ano. Se vocês fatiarem a reforma, não posso assumir o compromisso de arranjá-lo”, ameaçou o ministro. Mas não bastou. Ele foi obrigado a reforçar em R$ 700 milhões o fundo destinado a cobrir buracos na arrecadação dos Estados que perderão receita com as mudançasda reforma tributária. Na mesma quarta-feira 9, muita saliva e negociação impediram outra perda de R$ 1 bilhão. Na votação da medida provisória que garantiu a redução de imposto para pequenos produtores de biodiesel quase entrou uma megaisenção de tributos para produtores de farinha de trigo.

Sem controle – Além de correr o risco de ser derrotado a qualquer momento, o governo perdeu o controle da pauta de votações. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), já avisou que colocará a reforma tributária em votação no dia 29 próximo, com ou sem consenso. Outro exemplo: na última semana, o governo estava certo de que a reforma constitucional que amacia os efeitos da reforma previdenciária para funcionários públicos não entraria em votação. Pois, pela mão de Severino, entrou. E, novamente, quase foi aprovada uma proposta capaz de provocar um rombo incalculável nas contas públicas. A pretexto de permitir um ganho salarial aos delegados de polícia civil, uma mudança apresentada por um deputado tucano derrubava todos os tetos salariais que vigoram hoje para funcionários públicos do Legislativo, Judiciário e Executivo de todas as esferas de governo. Quando se percebeu que a medida estropiava cofres em geral, sem distinção federativa ou partidária, o próprio PSDB mudou de posição. Mas o aumento para os funcionários do legislativo vai passar. Câmara e Senado estão concluindo a aprovação de um reajuste de 15% retroativo a novembro.

Também na última semana, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), recebeu em romaria o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), e os governadores de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), e do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB). Todos querem a renegociação de suas dívidas com o governo federal, entre outros pontos. Serra, que herdou um papagaio de R$ 7 bilhões da antecessora Marta Suplicy (PT), também quer mais espaço para pegar empréstimos e está em busca de aliados. As pressões não param por aí. Sentindo o Executivo enfraquecido, o Congresso quer liberdade para gastar. Na comissão especial do Congresso que discute novas normas orçamentárias, o tema dileto é o “orçamento impositivo”, no qual o governo é obrigado a aplicar o dinheiro dos impostos do jeitinho que os deputados e senadores aprovarem, sem direito a cortes. E, como disse Lula, com a proximidade das eleições, as pressões tendem a aumentar.