03/10/2014 - 19:01
No começo de julho de 1989, quando esta reportagem foi publicada, Leonel Brizola estava certo de que iria disputar o segundo turno com Fernando Collor de Mello. O velho caudilho era o segundo nas pesquisas de opinião e via, de longe, Lula brigando para estar entre os principais candidatos daquela eleição. O alvo preferencial de Brizola, naquele momento, era Collor, a quem havia atacado vigorosamente no primeiro dos inúmeros – e históricos – debates daquela eleição.
As confidências eleitorais de Leonel Brizola começam por uma surpreendente constatação: nada lhe poderia ser mais favorável, a essa altura da corrida sucessória, do que a liderança atribuída pelas pesquisas de opinião ao seu adversário Fernando Collor de Mello. Quando lhe perguntam por que pensa assim, nas conversas reservadas, Brizola costuma abrir aquele sorriso sedutor que já é uma de suas marcas e indaga ao interlocutor o que estaria acontecendo se fosse ele, Brizola, quem ostentasse, hoje, os 44% de Collor. “Teríamos o golpe ou o parlamentarismo”, responde.
Polarização
Nas ruas e na televisão, Brizola bate duro em Collor,
que prefere assistir à Tela Quente
Seu raciocínio segue nessa direção, impulsionado pela palavra envolvente: o que aconteceria se ele, Brizola, tivesse ao menos 25% das pesquisas e outros parassem entre 10% e 15%? Nesse caso, argumenta, todos lhe estariam batendo, e com muita força. Pior: teriam justificadas razões para formar alianças anti-Brizola, muito possivelmente vitoriosas no segundo turno. Enquanto ele encontraria o campo minado para as suas coligações. Agora, não: Collor atrai todas as atenções; logo, é Collor quem tem de ser malhado.
Para Brizola, falta substância à candidatura Collor. Este é, a seu ver, candidato artificialmente, produto de mídia e resultado de um momento especial da política nacional. Seu balão, por consequência, é o mais fácil de ser atingido, podendo perder gás e sustentação muito rapidamente. “Você já pensou o quanto seria difícil derrubar um Ulysses, ou um Aureliano com 44%?”, imagina Brizola. “Eles são políticos sólidos, à sua maneira. Não é o case deste Collor.”
À luz desses cálculos eleitorais de bastidor, fica fácil entender o jogo de Brizola nesses últimos dias. Desde a noite da segunda-feira, 17, quando compareceu aos estúdios da TV Bandeirantes, em São Paulo, para o primeiro debate dos presidenciáveis, ele só tem uma tática de campanha: atacar Collor e com toda a violência possível. Já na entrada do prédio da emissora, cercado por jornalistas, Brizola disse que a ausência de Collor no debate não surpreendia, por se tratar de “um rato, que fugiu do navio da ditadura, quando sentiu que ele ia ao fundo”. (Collor, nesse momento, ignorava o debate e assistia à Tela Quente da Globo, em sua mansão de Brasília.) Antes, durante e depois do programa, Brizola voltou a fustigar o líder das pesquisas. “Ele está fugindo do debate. Que venha! Eu me proponho a comprovar que esse Collor não passa de um farsante, um impostor!”, disse em Belo Horizonte, na quarta-feira, 19, à entrada do prédio do Minas Centro, onde participou do V Congresso dos Municípios Mineiros. Os adjetivos não variaram muito nesse bombardeio verbal: além de impostor e farsante, Collor ainda foi chamado de “filhote da ditadura”, “empresário cartorial”, “ídolo de pés de barro” e “politiqueiro da pior espécie, que é a oligárquica” etc.
A tática de Brizola parece óbvia. Ele atualmente tem de 12% a 13% das preferências, está em segundo lugar, mas longe de Collor. Atacando-o duramente, polariza a campanha, firmando-se, no mínimo, como o segundo mais votado do primeiro turno. Assim, no segundo turno, poderia contar com as alianças previsíveis (Lula e sua frente de esquerda), e mesmo com coligações mais ao centro e à direita (PDC, PTB). Brizola não rejeita nenhum aliado, venha de onde vier, e já firmou essa posição há muito tempo. Ele acha que o importante é a sua proposta ser definida e conhecida nacionalmente – quem a apoia não lhe dá cor, portanto; pelo contrário, recebe a cor brizolista, como costuma explicar aos seus correligionários.
Brizola só não contempla, neste momento, a hipótese de um acordo com os tucanos de Mário Covas. Isso porque identificou áreas de apoio semelhantes em Covas e Collor, particularmente no grande empresariado.
Covas, assim, seria a carta na manga dos grandes empresários – o candidata a quem recorreriam, se Collor falhasse, segundo a visão de Brizola. Ele costuma lembrar que é significativo o fato de o titular da Globo, Roberto Marinho, dedicar tantas atenções a Covas nos últimos dias. Antes, Marinho era a principal peça de sustentação de Fernando Collor. Agora, na dúvida, já estaria também contemplando a hipótese Covas. Isso tornaria Covas antes de tudo suspeito para Brizola, que continua afirmando por onde vai a sua disposição de, uma vez eleito, acabar definitivamente com o monopólio da Globo na televisão brasileira.
De todo modo, o jogo de Brizola contra Collor é limitado ao campo político. Setores do PDT admitem que ele tem em mãos farto material de acusações pessoais contra Collor, mas prefere deixá-lo na gaveta, investindo tão somente nos aspectos políticos que podem ser usados contra a imagem do líder das pesquisas. Por sua orientação, o deputado Vivaldo Barbosa, líder do partido na Câmara Federal, entregou na terça-feira, 18, ao ministro da Justiça, Oscar Correa, um pedido de investigações sobre irregularidades que Collor teria cometido como governador de Alagoas e prefeito de Maceió.
De olho em Minas
Aplausos na reunião dos municípios para Brizola
A lista apresentada por Barbosa não traz acusações novas: vai dos acordos firmados por Collor com os usineiros de seu Estado à farta distribuição de empregos nos seus últimos dias como prefeito de Maceió. Entretanto, se a tática não é nova, pelo menos se mostra mais eficiente do que a usada contra Collor em reportagens anteriormente publicadas nos jornais. Desta vez, são narrados pormenores, por exemplo, da nebulosa do acordo com os usineiros. Foram dois acordos, mais precisamente, explica o documento. Em ambos, Collor aceitou que os usineiros pagassem débitos ao Banco do Estado com créditos que lhe seriam atribuídos, a pretexto da devolução do ICM pago pela “cana própria” — ou seja, aquela que eles produzem em suas terras. É verdade – admite Vivaldo Barbosa – que o Supremo Tribunal Federal havia considerado inconstitucional a cobrança desse ICM da “cana própria”. Mas uma súmula do mesmo Supremo proíbe a devolução de impostos indiretos – isto é, daqueles impostos que são pagos na verdade pelo consumidor, como é o caso do ICM (pois a quantia tributada acaba sendo incluída no preço do produto).
Collor foi advertido disso pelo procurador-geral do Estado, Daniel Quintela, segundo relata o documento brizolista. No entanto, insistiu em fazer o acordo e, aproveitando uma viagem de Quintela, nomeou outra procuradora, Evelina Cox, para dar um parecer favorável. Esta, hoje, estaria confessando que foi ludibriada – pois teria assinado sem ler o papéis, por pressão de altos funcionários do governo Collor – revela, ainda, a denúncia de Brizola. Quanto ao segundo acordo com os usineiros, o documento, apresentado por Vivaldo Barbosa sob a inspiração de Brizola, diz que foi considerado “ilegal” pelo promotor de Justiça, Luciano Chagas da Silva. Esse mesmo promotor, depondo depois na CPI da Corrupção da Assembleia Legislativa de Alagoas, afirmou que os acordos envolveram uma contribuição de 20% do seu total para a campanha de Collor à Presidência da República e que o arrecadador desta contribuição seria Paulo César Farias, empresário amigo do candidato.
Brizola tem ainda várias outras acusações de alegadas irregularidades administrativas de Collor. Inclusive, um dossiê que lhe foi preparado por funcionários da Previdência Social, sobre o mau uso das verbas do Suds – Sistema Único de Saúde pelo governo de Alagoas. Ele pretende usar este material fartamente nos programas gratuitos da televisão. Na sua opinião, Collor acabará sentindo o peso destas denúncias e terá de vir para o debate. Nesse momento, prevê, o candidato sem substância desabará de vez, por não ter condições de suportar uma discussão política bem conduzida.
O problema é que esses debates futuros têm de dar tempo aos candidatos para a discussão – nota Brizola. Ele se frustrou um pouco com o primeiro debate na Bandeirantes, quando a participação dos candidatos foi inteiramente retalhada em pequenas intervenções de um minuto, que só davam oportunidade maior à apresentadora Marília Gabriela de aparecer sempre em vantagem sobre os presidenciáveis – porque lhes cassava a palavra a toda hora. Gentil, Brizola não confessou publicamente essa decepção, chegando até a elogiar Marília pela sua atuação. Mas já orientou seus assessores para fixar regras mais liberais nos debates futuros.
Adesão
Cristina troca Covas por Brizola
De todo modo, Brizola acha que recolheu deste primeiro debate alguns frutos positivos. O primeiro, óbvio, foi a oportunidade de polarizar com Collor. Mas houve outros, menos evidentes. Por exemplo, uma subida de em São Paulo, onde sua candidatura ainda enfrenta resistências nítidas no eleitorado (que lhe dá apenas de 2% a 4% das preferências). Quando deixou São Paulo, na manhã de terça-feira, rumo ao Rio de Janeiro, de onde seguiria para Belo Horizonte, Brizola surpreendeu-se ao ser saudado, na rua, por populares que erguiam o polegar em sinal de vitória, ou até lhe endereçavam o gesto de vitória do “Trapalhão”, Renato Aragão – a mão aberta fazendo um meio círculo sobre a boca em sinal de fácil triunfo. Pouco depois, as pesquisas do debate confirmaram essa revelação das ruas: Brizola ficou em terceiro nas preferências dos telespectadores, logo após Covas e Afif Domingos, ambos paulistas e com eleitorado na cidade.
São Paulo segue, porém, sendo um dos pontos fracos do esquema brizolista. Até fevereiro, o candidato entregou seu partido no Estado aos cuidados de Adhemar de Barros Filho, descrito hoje como “um político correto”, mas evidentemente limitado pelas suas ligações com “o superado adhemarismo de seu pai”. Assim, quando fez algumas viagens pelo interior e verificou que não se entendia bem com os adhemaristas, Brizola propôs a Adhemar que lhe entregasse o partido de volta e o colocou nas mãos do ex-peemedebista e ex-petista Airton Soares.
A partir daí, todo um trabalho para que Brizola seja mais conhecido no Estado vem sendo desenvolvido pela seção paulista do PDT: panfletagem nos bairros populares, reuniões, pequenos comícios com a presença do próprio Brizola. Entretanto, todos reconhecem que há muito caminho a percorrer para Brizola em São Paulo, inclusive ele próprio. Suas esperanças, agora, estão concentradas na televisão. “Antes, o Brizola só aparecia depois das onze da noite, quando ninguém via a tevê e não nos melhores programas. Agora, a coisa muda e, na medida em que ele for mais ouvido, o apoio vai aumentar”, comenta Airton Soares. Brizola também deposita muitas fichas no aprofundamento das suas relações com o sindicalista Luis Antônio de Medeiros. Ele chegou a oferecer-lhe a candidatura à vice-presidência, o que Medeiros recusou porque a entrada na política partidária não seria bem aceita por sua base sindical. Medeiros já lhe declarou apoio, no entanto – e Brizola espera agora concretizar esse apoio, penetrando com sua ajuda nos sindicatos paulistas.
Afora Rio e Rio Grande do Sul, onde lidera as pesquisas, Brizola não encontra boa sustentação nos outros grandes Estados. Isto explica o fato de nos últimos tempos ter trabalhado em tempo quase integral suas articulações junto a políticos de Minas e Pernambuco, por exemplo. Na quinta-feira, 20, ele desmarcou toda a sua agenda para almoçar, no Rio, com a deputada Cristina Tavares, que, depois, confirmou-lhe apoio para a corrida presidencial. A esquerdista Cristina, embora continue no PSDB de Covas, irritou-se com a nova linha do candidato, de congraçamento com o empresariado. Até porque, nesse lance, Covas resolveu fazer de Roberto Magalhães o seu candidato à vice – logo ele, que, além de pernambucano, sempre foi adversário da deputada na política local.
Sentindo a oportunidade, o vice-pernambucano de Brizola, Fernando Lyra, um bom amigo, procurou Cristina para uma boa conversa. Não tardaram a se entender e o acerto foi referendado por Brizola. Assim, ele deu um troco ao PSDB, que praticamente lhe tirou Magalhães dos braços. (O chefe liberal pernambucano foi sequestrado pelos tucanos quando tinha justamente um almoço marcado com Brizola, no Rio de Janeiro; em vez disso, foi falar com Covas carregado pelos deputados Egídio Ferreira Lima e Ronaldo César Coelho e acabou acertando a vice-presidência que Brizola não lhe quis dar).
Brizola também apreciou, nesse episódio, o fato de o governador Miguel Arraes ter estimulado Cristina Tavares a procurá-lo. Ele sonha com a adesão de Arraes à sua campanha, supondo que poderia ser o dois mais dois de uma situação difícil para o governador neste momento. De um lado, Arraes não encontra espaço no PMDB, onde Jarbas Vasconcelos domina a cena, com o apoio do candidato oficial, Ulysses Guimarães. E, no outro flanco, Arraes ainda encontra totalmente ocupada a área tucana: com Magalhães e o prefeito do Recife, Joaquim Francisco, que ainda pode aderir, também, à candidatura Covas. Assim, o que restaria a Arraes senão Brizola, político com quem sempre se deu relativamente bem no passado e com quem tem, até, uma certa afinidade ideológica?
Alô, Caruaru
O vice Lyra abre as portas de Pernanmbuco
Para conduzir bem essa articulação, Brizola não descuida nunca dos assuntos pernambucanos. Ainda no fim do mês, pretende fazer um ato público em Caruaru, com a ajuda do vice Fernando Lyra, líder na região. Mas se Pernambuco é um caso quase resolvido, as dificuldades em Minas continuam muito grandes para Brizola. Ali, ele já teve a esperança de contar com Itamar Franco, mas este, como Magalhães, queria ser vice. Brizola não aceitou e a conversa morreu por falta de assunto. Começou, então, o namoro de Brizola com a vice-governadora Junia Marise. Que também queria ser vice, conforme ficaram sabendo os articuladores do PDT, ao receberem recados de alguns intermediários de namoro. E mais uma vez Brizola recusou.
Segundo explica o deputado Brandão Monteiro, um de seus mais íntimos conselheiros, Brizola não costuma negociar da forma pretendida por muitos políticos brasileiros, “na base do toma-lá-dá-cá”. Ele pretende recolher adesões pelo que é, e não pelo que possa oferecer. Depois, a questão da vice-presidência ele sempre a colocou muito claramente: o escolhido tinha de ter total afinidade com a sua proposta, deveria ser um político do PDT e não um novo aderente. Daí a sua recusa para tantos pretendentes que acabaram em outras paragens.
Brizola continua fiel, assim, ao seu estilo antes de tudo personalista de fazer política. Na verdade, ele se sente algo assim como um predestinado – e talvez daí provenha parte de sua parte no contato pessoal. O paletó cinza, amarfanhado e sempre repetido, assim como a invariável gravata azul-marinho com desenhos avermelhados, dão-lhe um ar de descuido pessoal que é ainda mais enfatizado pelas sobrancelhas vastas e revoltas, contrastando com os ralos cabelos no alto da cabeça. Os olhos empapuçados e o rosto marcado, de resto, revelam bem seus 67 anos, mas essa impressão negativa se dilui quando ele começa a falar com a dicção clara e enfática, acompanhando do sorriso largo e envolvente.
Foi assim que ele apareceu, por exemplo, na manhã da quarta-feira, para cerca de 300 prefeitos, vereadores e políticos interioranos que lotavam o Auditório Ágata, do Minas Centro, em Belo Horizonte. Ali havia raros pedetistas, até porque o partido de Brizola em Minas ainda não decolou, decididamente. Contudo, os aplausos e risos pontilharam o discurso do candidato, que manteve a plateia nas mãos durante todo o tempo em que quis falar, até, no fim pedir desculpas, alegando novos compromissos. Disse, então, com ironia na voz: “Por mim vocês sabem ficaria aqui por muito tempo, até porque não gosto nem um pouco de falar…”
Os ouvintes mais atentos perceberam, porém, que Brizola é um candidato sem programa. Ele apresentou apenas ideias gerais sobre a economia, a política, e sobretudo muitas criticas ao atual governo. Brizola é, no entanto, réu confesso, no caso. Ele argumenta que programa, se quisesse, poderia encomendar um pelo correio ao professor Hélio Jaguaribe. “Daí pouco, ele me entregaria um, encadernado e todo bonitinho”, afirma, irônico. Mas não é o seu caso, completa: o que quer mesmo é apresentar ideias gerais, e ouvir muito durante a campanha. Assim, no final, poderá apresentar uma plataforma de candidato que realmente represente as aspirações populares.
Essa explicação convence pouco, na verdade. O certo é que Brizola pensou na campanha, mas não muito no programa – e agora é que está procurando encontrar as linhas-mestras de sua plataforma, encomendando estudos de políticos e economistas. Algumas ideias ele já anuncia, como é o caso da negociação da dívida externa, a partir de uma auditoria, para separar o joio do trigo, no caso. Ou como a mudança de rumos do Banco Central, que passaria a ser “um órgão público de fato e não um apêndice dos bancos privados”. Entretanto, a proposta básica de Brizola para o futuro ainda é, antes de tudo, um conceito político: ele pretende elaborar um plano de emergência para combater a crise logo eleito, começando pelo fato de que seria, então, um presidente escolhido por mais de 50% da população brasileira.
Nesse sentido, o segundo turno, criado para prejudicá-lo em 1987, até seria um ponto favorável ao presidente Brizola. Pois lhe daria uma força nunca exercitada por outro presidente em nossa história. Contra ela, assegura Brizola, nada poderiam os golpistas, nem os adeptos da crise. Ele teria todas as condições de executar seu plano de emergência em pouco tempo, para escapar da crise e contaria, para isso, com o aval das democracias europeias. Nos seus discursos, Brizola jamais se esqueceu de citar esse aval, lembrando aos seus ouvintes que, em política, “é como na vida: dize-me com quem andas, e eu te direi quem és”. Ele sabe que a aceitação de sua candidatura por nomes como Mário Soares, Felipe Gonzáles e François Mitterrand constitui um trunfo inigualável – que deve ser bem explorado na corrida sucessória e de certo modo lhe garantiria o futuro. Ainda na semana passada, entre os muitos compromissos de sua agenda, Brizola não se esqueceu de marcar um almoço, no Rio, na próxima quarta-feira, com o secretário-geral do PS francês, Pierre Maurois.
Todos os homens de Brizola
Três linhas distintas dentro do PDT
Se tudo dependesse apenas de régua e compasso, o engenheiro Leonel Brizola, mesmo que jamais tenha se debruçado sobre uma prancha de trabalho, certamente teria menos dificuldade para organizar o partido político que projetou ainda no exílio e que tenta construir desde que voltou ao Brasil há dez anos. Inicialmente com a histórica legenda do PTB — que perdeu num discutível “golpe jurídico” para ex-companheiros – e, depois, com o PDT, Brizola criou uma agremiação política que em nada se parece com os ideais da socialdemocracia firmados no distante e esquecido documento chamado Carta de Lisboa .
Em 1979, às vésperas da anistia que acabou com os longos 15 anos foi forçado a viver fora do País, Brizola reuniu-se, em Lisboa, com os remanescentes do velho trabalhismo e com um amplo segmento da esquerda que sobreviveu à ditadura militar brasileira. Com a tarefa de criar um partido novo e moderno juntaram-se ex-comunistas com o professor Pedro Celso Uchoa Cavalcanti, ex-guerrilheiros como Alfredo Sirkis e velhos trabalhistas como o ex-deputado Doutel de Andrade. Mas as divergências de forma e fundo só momentaneamente estavam superadas. De volta ao Brasil, a liderança de Brizola impôs-se sobre as estruturas partidárias, e a convivência de forças tão díspares tornou-se impossível. Lentamente muitos dos signatários e formuladores da “Carta de Lisboa” trocaram de legenda. A qualidade cedeu lugar à quantidade diante da primeira experiência eleitoral do partido, em 1982.
Agregaram-se ao PDT outros setores da esquerda (como os prestistas) e uma enorme variedade de políticos fisiológicos. A popularidade de Brizola atraiu uma horda política que forma, segundo o deputado César Maia – um brizolista convertido ainda no exílio uma agremiação chamada PPO, “Partido das Pesquisas de Opinião”, para onde as pesquisas apontam, eles atracam. Mas naquela ocasião, conforme alerta outro influente parlamentar brizolista, “os critérios de ingresso no PDT eram incomparavelmente mais rígidos”. De fato, uma rápida comparação entre a bancada estadual do PDT no Rio de Janeiro – a base mais influente e importante de Brizola – eleita em 1982 e a bancada eleita em 1986 mostra a diferença. Na primeira eleição havia, pelo menos, meia dúzia de deputados estaduais politicamente identificáveis. A liderança da bancada coube, por exemplo, ao capitão cassado Eduardo Chuahy, que pertenceu ao gabinete militar do governo Goulart. Hoje, Brizola tem como líder na Assembleia do Rio o deputado Cláudio Moacyr, político interiorano com raízes na administração do ex-governador Chagas Freitas. Na Câmara de Vereadores o líder é também um ex-chaguista, Jorge Felipe.
Quase dez anos depois de criado, o PDT, embora conserve ainda um forte segmento de esquerda comprometida com a proposta socialdemocrata, cresce ao sabor de alianças forçadas pela conjuntura eleitoral. Na Paraíba, para citar um só exemplo disto, o PDT tem como representante e líder político o ex-governador Wilson Braga, formado e criado pela Arena, o partido que sustentou politicamente o regime militar. Tais lembranças certamente provocam arrepios na base oposta do PDT. Os seguidores do ex-secretário-geral do PCB, Luís Carlos Prestes, movimentam-se incomodamente com a presença do correligionários como Braga, ou de velhos aliados, como o ex-deputado Afonso Celso, o qual, rompido, com Prestes, agregou uma facção chamada Reconstrução, que só recentemente perdeu o controle sobre a influente Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro, a Famerj.
A serenidade com que Brizola faz e desfaz suas alianças, indiferente à agressividade das bases do partido, provoca às vezes protestos veementes como a do ex-presidente do Sindicato dos Bancários do Rio, Ronaldo Barata. Militante da Convergência Socialista, abrigado no PDT, ele ameaçou romper com o partido quando cogitou, como companheiro de chapa na corrida presidencial ou o ex-governador de Pernambuco, Roberto Magalhães, ou a vice-governadora de Minas, Junia Marise. O primeiro virou Tucano. A segunda, colloriu. Brizola terminou acompanhado, na vice, pelo deputado Fernando Lyra, que nunca teve nada a ver com o trabalhismo, nem com o brizolismo, mas está convertido, embora não se alinhe a nenhuma das facções que influenciam os destinos do PDT.
Doutel, o trabalhista
Signatário da Carta de Lisboa
Depois de ouvir diversos parlamentares e militantes do PDT pode-se definir, em linhas gerais, três grandes blocos brizolistas: trabalhistas, esquerdistas e socialdemocratas.
º Com uma ação política caracterizada por um corte social e nacionalista mais ou menos definido, os trabalhistas – como o deputado Doutel de Andrade, o economista Cibilis Viana e o professor Darcy Ribeiro, entre outros – atuam diretamente ligados a Brizola. Bem próximo a este grupo está, também, o prefeito carioca Marcelo Alencar, embora tenha alguns objetivos políticos próprios e disponha, no momento, do poder administrativo.
º A esquerda vê na influência político-eleitoral de Brizola um meio para atingir seus fins: o comunismo clássico. Brizola, segundo um integrante da cúpula do PDT, mantém a esquerda “sob vigilância e controle”. Formam um grupo inteiramente estatizante.
º O segmento socialdemocrata reúne alguns dos nomes mais conhecidos do PDT: o deputado César Maia, o prefeito de Curitiba, Jaime Lerner e o advogado Nilo Batista , além de Carrion Júnior, no Sul, e Eduardo Monteiro, em Recife. É o grupo mais articulado do PDT e que procura mais articulado do PDT e que procura maior profundidade teórica nos temas políticos e econômicos. Seus seguidores veem a questão do nacionalismo sob o enfoque da “integração soberana”: a internacionalização da economia brasileira sob regras do interesse nacional. Os socialdemocratas, seja pela maior produção intelectual, seja pela presença mais solicitada pela imprensa, ganharam mais nitidez, falam em reformas democráticas do Estado e no fortalecimento da sociedade civil. Identificam-se com os compromissos sociais de Brizola, e um deles chega a lembrar de que “Brizola tem a mão dura para assinar projetos que não tenham este objetivo”. O grupo tem, de certa forma, uma visão também “utilitária”, a exemplo dos setores mais a esquerda. Acreditam que a “herança trabalhista” encarnada por Brizola é um excelente “ponto de alavancagem” para a organização de um partido verdadeiramente socialdemocrata.
Esta variedade de correntes e interesses mantém-se unida pela firme liderança brizolista, firme e autoritária. O poder de comando de Brizola está respaldado pela sua força eleitoral , que se expressa com mais influência no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Os dois Estados foram a base da bancada brizolista no Congresso. De todo modo, os segmentos que se agrupam no PDT e se colocam sob a influência do presidenciável Brizola acreditam que o partido sobreviveria sem o líder. Mas, no caso de um afastamento de Brizola, possivelmente até no caso de um insucesso na eleição presidencial, a luta interna será dura entre aqueles que não querem a renovação partidária, os fisiológicos que sonham com o domínio da máquina partidária, a esquerda que propõe uma radicalização e os socialdemocratas. Sem a influência de Brizola, o controle do partido passará às mãos de quem tiver melhor desempenho eleitoral.