No começo da tarde da quinta-feira 21, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, mais uma vez buscou evitar que fosse à frente a investigação de denúncias contra o presidente do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA). Depois de engavetar os processos envolvendo Jader no escândalo do Banco do Estado do Pará (Banpará), em desapropriação fraudulenta no Polígono dos Castanhais, Brindeiro agora quer barrar a investigação da Polícia Federal sobre a venda dos Títulos da Dívida Agrária (TDAs) emitidos pela desapropriação da fazenda fantasma Paraíso. Com a ajuda do procurador Luiz Augusto Santos Lima, ele tentou convencer o delegado da Polícia Federal Luiz Fernando Ayres Machado a mudar radicalmente os rumos da apuração, alegando que o Caso das TDAs já havia sido investigado. Para surpresa do delegado, Brindeiro chegou a propor que a PF se dedicasse à apuração das calúnias contra Jader. Apesar da recusa de Ayres, o Ministério Público decidiu limitar a investigação. Luiz Augusto rejeitou o pedido do delegado de quebra de sigilo bancário de outubro de 1988 a maio de 1989 do ex-banqueiro Serafim Rodrigues de Moraes, de sua mulher Vera Arantes Campos e de Diana Maria Guimarães de Paula, mulher e sócia de Vicente de Paula Pedrosa da Silva na fazenda Paraíso. Depois da reunião, o procurador Luiz Augusto pediu à 12ª Vara da Justiça Federal apenas o rastreamento dos dois cheques com os quais o banqueiro pagou Vicente na compra de 55,2 mil títulos agrários.

Brindeiro tem um bom motivo para ajudar Jader. No final da tarde da última quinta-feira, ele foi à presidência do Senado entregar uma cópia da mensagem assinada, horas antes, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso na qual ele é indicado, pela quarta vez consecutiva, para chefiar nos próximos dois anos o Ministério Público Federal. Para continuar no cargo, Brindeiro precisa da aprovação do Senado que vai sabatiná-lo na terça-feira 26. “Esse Brindeiro está achando que o Jader ainda tem força para garantir sua recondução à Procuradoria. Está muito enganado. Com a implosão do PMDB, que está muito próxima, sua indicação não passa no Senado”, aposta o presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE). Na conversa com Jader, Brindeiro prometeu concluir a investigação do escândalo das TDAs em um mês. Mas de nada adiantará a decisão do procurador-geral de limitar as apurações. Na mesma quinta-feira em que pressionava o delegado federal, o Colégio de Líderes do Senado resolveu aprovar, na próxima terça-feira, a quebra do sigilo bancário de Serafim, de Vera e do casal Pedrosa. “Isso é o mínimo que podemos fazer agora”, avaliou o líder do PPS no Senado, Paulo Hartung (ES), depois que os partidos governistas recusaram a proposta das oposições de criação de uma CPI para investigar Jader.

Bastidores – Como Brindeiro, que de público manifesta empenho nas apurações, mas trabalha contra nos bastidores, Jader também tem comportamento contraditório. Mesmo sem ter poderes para fazer o pedido, ele requereu ao presidente do Banco Central, Armínio Fraga, cópia do famoso relatório em que o auditor fiscal do BC Abrahão Patruni Jr. o acusa de ter embolsado R$ 10 milhões com rendimentos de recursos desviados do Banpará. Mas, agora que o relatório pode ser legalmente obtido, Jader se opõe. Foi o que fez na reunião do Colégio de Líderes quando Hartung propôs que o plenário aprovasse na próxima terça-feira um requerimento apresentado pelo senador José Eduardo Dutra (PT-SE) para que o BC envie ao Senado os nove volumes da investigação sobre o escândalo do Banpará. “Isso não pode ser feito. Hoje é comigo, amanhã pode ser contra qualquer um”, reagiu Jader, que até o Banpará entrar em pauta assistia calado à discussão dos líderes partidários. As oposições pediram um tempo e voltaram com uma nova proposta: colocar o requerimento de Dutra em votação mesmo sem a garantia do apoio das bancadas governistas. Depois de uma rápida consulta a aliados, Jader também não topou votar o requerimento agora e ainda recusou a proposta de convocação de Armínio Fraga para explicar o relatório do Banco Central.

Licença – Ao mesmo tempo que tenta limitar as investigações, Jader vive um isolamento político até no PMDB. Na manhã de terça-feira 19, a bancada do PMDB na Câmara simplesmente se recusou a assinar uma moção de apoio ao presidente do Senado. Irritado, Jader tentou compensar o estrago político cobrando apoio da bancada peemedebista. Queria um abaixo-assinado, mas conseguiu apenas uma nota de solidariedade lida em plenário pelo líder do partido Renan Calheiros (AL). “O PMDB está convencido da existência de uma orquestração contra o partido e hipoteca irrestrita solidariedade ao presidente do Senado”, diz a nota que pretendia mostrar o “apoio unânime” a Jader. Foi um tiro pela culatra. “Não estou convencido de que há uma orquestração. O conteúdo da nota é de responsabilidade do autor. As denúncias são um problema particular de Jader”, disparou o presidente do PMDB, senador Maguito Vilela (GO), anulando o efeito político pretendido pelo presidente do Senado. “Não assinei e não me responsabilizo por essa nota. Ela é uma nota inocente”, endossou o senador José Fogaça (PMDB-RS). “A situação de Jader está cada dia mais difícil”, sentenciou o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Na reunião da bancada do partido no Senado, o senador Gilvan Borges (AP), que é ligado ao ex-presidente José Sarney, propôs que Jader se afastasse por 30 dias da presidência do Senado. Jader não aceitou, alegando que isso o fragilizaria ainda mais diante da enxurrada de denúncias de que tem sido alvo nos últimos meses. Em meio ao tiroteio peemedebista, na tarde da quarta-feira 20, Fernando Henrique empossou no Palácio do Planalto o senador Ramez Tebet (PMDB-MS) como ministro da Integração Nacional. O clima era de constrangimento. Jader Barbalho nem sequer foi convidado a se sentar ao lado de FHC, como sempre acontece quando chefes de outros poderes comparecem a cerimônias no Planalto.

Paralela – Além da Polícia Federal, o corregedor do Senado, Romeu Tuma (PFL-SP), está fazendo uma apuração paralela do Caso dos TDAs. Foi ele quem articulou a conversa de Geraldo Brindeiro com o delegado Luiz Fernando Ayres. “Vai ser uma reunião para dar mais agilidade às apurações”, disse Tuma, um dia antes de o procurador-geral da República tentar transformar a investigação em pizza. Na última quinta-feira, o senador paulista voltou a ouvir Serafim e sua mulher. Desta vez o casal apresentou documentos sobre a compra, em 1988, de Títulos da Dívida Agrária de Henrique Santiago, na época funcionário do Incra em Belém e com ligações com o então ministro da Reforma Agrária, Jader Barbalho. Santiago já morreu, mas o dinheiro que recebeu pela venda dos TDAs também pode ser facilmente rastreado: foi depositado na conta corrente 8055-1 da agência 1396-P, em São Braz, Belém do Pará. O nome de Santiago também aparece no processo que condenou a seis anos de cadeia pela fraude da fazenda Paraíso Vicente Pedrosa e o ex-deputado Antônio Brasil, homem de confiança do presidente do Senado e secretário de Política Fundiária na gestão de Jader na Reforma Agrária. Documentos obtidos por ISTOÉ mostram outra maracutaia no caso da fazenda Paraíso. O decreto de desapropriação foi assinado no dia 27 de outubro de 1988, mas as quatro séries dos 55.221 Títulos da Dívida Agrária foram emitidos dois meses antes, em 31 de agosto.

Com tantas irregularidades, para desgosto de Brindeiro, o delegado Luiz Fernando Ayres pretende fechar o cerco com a inclusão no rol de investigados de assessores de absoluta confiança de Jader. Ayres já decidiu tomar os depoimentos de Antônio Brasil e de Maria Eugênia Rios, principal assessora do presidente do Senado. Maria Eugênia é citada no processo em que Brasil e Pedrosa foram condenados e acompanha há décadas o senador em todos os cargos que ele ocupou no Pará e em Brasília. Na próxima quarta-feira, o delegado vai a São Paulo ouvir o casal Serafim Moraes, que terá de explicar a mudança de versão sobre a participação de Jader na venda dos TDAs fraudados.

Lapsos de Memória

Eduardo Hollanda

Foram mais de cinco horas de desculpas esfarrapadas. E o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira continuou sem dar explicações convincentes para suas ligações com o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto e com o prédio superfaturado do TRT de São Paulo. Mais ainda, não conseguiu justificar por que suas contas correntes no Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Unibanco e Citibank, em Nova York, tinham tanto dinheiro. Só a conta do Unibanco recebeu depósito de R$ 172.681,66, em 4 de maio de 1998, logo depois de EJ trocar o emprego no Palácio do Planalto pela coordenação operacional da campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso. “Não sei de onde veio esse dinheiro. Não deve ter sido de algo ilícito”, afirmou aos senadores da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado. Curioso esse lapso de memória para quem na época precisava de dois anos de salário para juntar tanto dinheiro.

Eduardo Jorge também não soube explicar depósitos de R$ 110 mil e R$ 42 mil em outra conta, desta vez no BB, em junho e julho de 1996, atribuindo o dinheiro a vendas de imóveis no Rio. Já as contas na CEF e no Citibank são um mistério, pois não foram mostrados os extratos. O ex-secretário voltou a insistir que os 174 telefonemas recebidos de Nicolau foram apenas para tratar da nomeação de juízes favoráveis ao governo e não para a liberação de verbas para o prédio do TRT.