O humorista conta que não vota há tempos porque está decepcionado com a política e, às vésperas de completar 80 anos e após superar um infarto, diz se sentir com 47

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POSTURA
"Muita gente quando sai dos holofotes se desespera", diz ele

 

Conhecido como um artista avesso a dar opiniões políticas, o comediante Renato Aragão, 79 anos, quebrou a regra e desabafou sobre seu desencanto com os governantes brasileiros à ISTOÉ. Aragão diz que não irá votar porque não acredita mais em promessas de candidatos, e que “as cadeias ficariam superlotadas” se os corruptos fossem todos presos.
 

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"Não bebo, não fumo, tenho boa qualidade de vida. O que me levou ao infarto?
A emoção. Era aniversário de 15 anos da minha filha, Lívian, me emocionei muito"

 

Imortalizado pelo personagem Didi Mocó, que encarnou no programa “Os Trapalhões”, exibido na Rede Globo por décadas e ainda presente nos filmes que ele faz, Aragão critica o engessamento do humor pelo politicamente correto e culpa os humoristas do sarcasmo e do escracho por terem pegado pesado e gerado tantas limitações. Ele vai pisar pela primeira vez na vida num palco teatral. A partir de 3 de outubro, protagoniza o espetáculo “Os Saltimbancos Trapalhões”, com músicas de Chico Buarque e direção de Charles Möeller e Cláudio Botelho, no Rio de Janeiro.
 

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"O humor virou avacalhação, apelação, crítica cruel. Nos Trapalhões,
fazíamos brincadeira sem atingir ninguém, e o povo não via
preconceito. Mas os humoristas passaram a pegar pesado"

ISTOÉ

 O sr. vai estrear no teatro com quase 80 anos, a serem completados em janeiro. Por que resolveu enfrentar o palco agora?

 
Renato Aragão

 Trabalho desde 1960, vivia na correria entre televisão, shows e cinema, não tinha tempo antes. Agora, estou fazendo só dois telefilmes por ano e consegui tempo. Mesmo assim, para optar pelo teatro, deixei de fazer um filme. Então, a minha fase de vida atual é a de começo. Estou aprendendo tudo. O teatro é intimista, as pessoas estão ali, sentadas bem perto, veem todas as suas expressões. Em algumas cenas, chego tão na frente do palco que tenho a impressão de que mais um pouco e caio na plateia. Totalmente diferente de trabalhar em tela. São 2h15 de espetáculo e eu fico em cena o tempo todo. Entro e saio. É uma expectativa muito grande para mim essa estreia.

 
ISTOÉ

 Este ano, o sr. teve um infarto. Também considera que sua vida recomeçou depois desse episódio?

 
Renato Aragão

 Sim. Brinco que vou até mudar meu nome para Didi Highlander (referência ao guerreiro imortal do filme homônimo) porque já tive um AVC (acidente vascular cerebral) há dois anos, já fraturei o rosto, e sigo renascendo. O infarto foi um susto grande. Eu não bebo, não fumo, tenho boa qualidade de vida, alimentação adequada, faço exercícios físicos. O que me levou a isso? A emoção. Era aniversário de 15 anos da minha filha, Lívian, me emocionei muito. De repente, estava no hospital. Eu pedia: ‘Meu Deus, não me leva agora’. Fui atendido por médicos de Primeiro Mundo. Depois que tudo já tinha passado, um deles falou: “Renato, você pode viver mais 70 anos”. Eu respondi: “Não quero, não. Me dá a metade só e está ótimo”. 

 
ISTOÉ

 Qual foi o momento mais difícil?

 
Renato Aragão

 Sinceramente, o pior foi depois do infarto, quando tive que ser internado novamente devido a uma infecção hospitalar. Tive um febrão, peguei uma bactéria terrível, fiquei sete dias internado. Isso foi o pior, acabou comigo. O conselho que dou aos outros, hoje, é o que pratico: alimentação de qualidade e exercícios físicos. Não como carne, doce, fritura, gordura. E meu lema é: troque todos os seus compromissos por um par de tênis, e vá para uma esteira, vá caminhar. Essa é a minha receita. Eu sigo, e vou durar até 110 anos.

 
ISTOÉ

 Como encara o envelhecimento?

 
Renato Aragão

 Não me sinto com 80 de jeito nenhum. Minha idade cronológica é essa, mas a física é 47 anos – e já é muito. O que faz a gente não envelhecer é ter projetos. Mesmo que a pessoa se aposente, tem que fazer algum projetinho para a vida, tem que se ocupar e ler. Eu leio muito, contos, jornais, revistas. Leitura é bom para que nunca se tenha problemas de cabeça. Estou sempre fazendo coisas como sinopses de filmes, minisséries. Não posso detalhar porque já estão inscritos na Rede Globo.

 
ISTOÉ

 Estamos perto das eleições. O sr. já escolheu seus candidatos às disputas majoritárias?

 
Renato Aragão

 Faz tempo que eu não voto. Estou muito decepcionado com a política. Sou a favor do Bolsa Presídio para os políticos. Porque é muita cara de pau o que vemos por aí. Como é que têm coragem de fazer isso com a população? Roubar e não saber de nada, como assim? O Bolsa Presídio para políticos ia fazer as cadeias ficarem superlotadas. Mas, como essa bolsa não existe, muitos estão aí pedindo votos. A gente fica desestimulado. Estou falando de modo geral, não quero citar nomes, todos os partidos têm seus políticos corruptos. Acho que tem um percentual muito pequeno dos que querem mesmo mudar o Brasil. Nas campanhas, eles falam que querem mudar o País, falam maravilhas que dizem que vão fazer, mas, quando chegam lá, não fazem. Eu quero votar, mas não consigo achar um candidato.

ISTOÉ

 O que é prioritário mudar no Brasil?

 
Renato Aragão

 A educação, sem dúvida. Os professores têm que ser bem remunerados, e não são. O abandono escolar é muito grande, não tem escolas, merenda, ensino de qualidade. As crianças estão abandonadas. Não estou vendo iniciativas concretas sendo tomadas nesse sentido. 

 
ISTOÉ

 O projeto “Criança Esperança”, da Rede Globo, capitaneado pelo sr., apresenta resultados concretos ou é enxugar gelo?

 
Renato Aragão

 Ajuda. As doações são importantes, resolvem alguma coisa, mas isso não é nosso papel, é papel do governo. Claro que cada um de nós pode fazer a sua parte. Porém, acho que o importante que fazemos não é só angariar doações, é mostrar o problema da criança. Quando a televisão mostra isso, logo aparecem mais creches, mais ONGs, mais gente querendo ajudar – e isso é mais importante que as doações. Me sinto feliz em ter feito a minha parte.

 
ISTOÉ

 Acha que os projetos sociais do governo são úteis?

 
Renato Aragão

 Tudo é útil. Aprovo o Bolsa Família, acho o Fome Zero divino. Mas não pode deixar de dar emprego. Essas pessoas têm que ser estimuladas a trabalhar para que não prefiram viver de bolsa. Isso eu ainda não vi, e teria que ser feito paralelamente. Deu Bolsa Família, tem que dar o Bolsa Emprego também. Aí, sim, viramos outro país.

 
ISTOÉ

 Conhece a pobreza de perto?

 
Renato Aragão

 Meus pais sempre foram da classe média alta, mas eu vi a fome de perto no Ceará. Era criança, não tinha noção do que era aquilo, mas percebia que amigos comiam como refeição apenas uma banana misturada com rapadura ralada e farinha. Eu levava meu prato com carne, coisas boas, mas misturava a minha comida, que era muita, com a deles e, no final, tudo dava para quatro pessoas. Fazia aquilo por intuição, não sabia que elas estavam passando fome. Tinha uns cinco anos nessa época. 

 
ISTOÉ

 O sr. nunca foi convidado para ser candidato político?

 
Renato Aragão

 Fui há muito tempo, nem me lembro que partido era. Respondi que não tenho competência, não tenho saco para isso. Política deveria ser apenas para quem nasceu com vocação para se dedicar a causas. Hoje, política está passando de pai para filho. Tomara que seja uma geração melhor, bem-intencionada. O fato de eu não votar não significa que eu não tenha esperança. Tenho. Meu nome poderia ser, também, Renato Esperança, além de Didi Highlander. Tenho esperança de que o Brasil tenha políticos que não pensem em roubar. A frase melhor para o Brasil é “É só querer”. Se quiser, faz. É um país forte, rico, maravilhoso.

 
ISTOÉ

 Recentemente, soubemos de suicídios de humoristas, como o americano Robin Williams e o brasileiro Fausto Fanti. Por que pessoas que lidam com a alegria são tão deprimidas a ponto de acabar com a vida? 

 
Renato Aragão

 Não sei. Sei que muita gente, quando sai dos holofotes – independentemente de ser artista ou não –, se desespera. Alguns procuram drogas, álcool, entram em depressão por não conseguirem viver bem sem fama. Sobre humoristas, podem ter perdido a alegria. A vida tem etapas e temos que ir nos acostumando com essas etapas.

ISTOÉ

  Em que etapa o sr. está?

 
Renato Aragão

 Na inicial. Estou na metade da minha vida. 

 
ISTOÉ

 O sr. acha que o humor mudou? 

 
Renato Aragão

 O humor, de modo geral, está muito engessado pelo “politicamente correto”. E isso aconteceu porque o humor virou avacalhação, apelação, crítica cruel. Antes, a gente fazia brincadeira de palhaço e o povo não se incomodava, não via preconceito. Nos Trapalhões, tinha um paraíba (eu), um negro (Mussum), o galã de periferia (Dedé) e um menino que era mistura de adulto com criança (Zacarias). A gente podia fazer o que quisesse, e fazia sem atingir ninguém. Mas humoristas passaram a pegar muito pesado e apareceu o “politicamente correto”, necessário, mas uma camisa de força. Os Trapalhões são palhaços que existem dentro de uma caixa de vidro. Somos ingênuos, românticos, com humor visual. Existe outro humor que faz sátira e críticas com as quais não concordo. Mas quem sou eu para discordar? 

 
ISTOÉ

 Como vê o humor na internet? 

 
Renato Aragão

 Acho que hoje é comum usar o humor e a internet para ridicularizar, agredir, enxovalhar. E todos ficam impunes. Se um comediante faz humor preconceituoso na tevê, será punido. Mas essa turma da internet fica impune. Há um outro lado de divulgação na internet que é bacana. Muitos trabalhos antigos dos Trapalhões, por exemplo, estão sendo resgatados e mostrados por pais aos filhos. Ou seja, há uma nova geração se divertindo com aquelas piadas. 

 
ISTOÉ

 Se há uma nova geração interessada no humor dos Trapalhões, por que não estão na tevê?

 
Renato Aragão

 Vou voltar, mas um programa semanal na tevê é muito estressante. Vou voltar aos poucos.