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A visita do papa Bento XVI deixou no ar um temor que nem a ênfase do presidente Lula no caráter laico do Estado brasileiro dissipou: a possibilidade de o Brasil assinar um tratado com o Vaticano reconhecendo certos direitos especiais à Igreja Católica no País. A concordata, como é chamado esse tratado, introduziria o ensino religioso nas escolas públicas, isenção fiscal para a Igreja e facilidades para missionários em terras indígenas, entre outras coisas. Pior, contudo, seria uma possível interdição do debate público de temas que compõem o índex do catolicismo, como aborto, eutanásia e pesquisas em células-tronco. A rejeição pelo Itamaraty da proposta inicial da Igreja não encerra a questão, porque o governo elaborou uma contra-proposta cujo conteúdo até agora não veio a público.

Concordatas foram tentativas da Santa Sé de preservar privilégios em Estados que se tornaram laicos ou autoritários. No Tratado de Latrão, de 1929, a Itália fascista reconheceu o Estado do Vaticano, pondo fim ao isolamento da Igreja com a unificação italiana de 1870. O ensino religioso se tornou obrigatório e o divórcio foi proibido. Em 1933, o III Reich assinou com o Vaticano um acordo costurado pelo cardeal Eugênio Pacelli, futuro papa Pio XII. Neste, a Igreja sacrificou no altar de seus interesses o partido católico alemão Centro Popular. E em 1940, Salazar e o papado sepultaram as veleidades secularistas da República de 1910.

Uma concordata no Brasil seria um retrocesso. Fere o conceito de cidadania ao supor que um grupo religioso, sendo majoritário no País, possa impor seus valores e sua agenda à toda a sociedade, além de colocar a Igreja Católica acima da lei. Entre outras coisas, um acordo desse tipo permitiria à instituição tirar do alcance da Justiça, por exemplo, escândalos como o da pedofilia. Se todos são iguais perante Deus, porque seriam diferentes perante a lei?


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