Há cinco anos, um grupo de 50 homossexuais se reuniu na Praça Roosevelt, no centro de São Paulo. A turma tinha um desejo: mostrar sua opção pela cidade mais cosmopolita do País. Estranhamente, algumas daquelas pessoas usavam máscaras. Era a proteção contra uma sociedade que, como dizia Cazuza, muitas vezes é careta e covarde. A manifestação acabou não acontecendo por falta de quórum. Agora, a situação é diferente. No domingo18, mais de 200 mil gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros (GLBT) e simpatizantes encherão de cor, brilho e alegria as ruas da cinzenta cidade. A 5ª Parada do Orgulho GLBT tornou-se a mais perfeita e acabada metáfora do próprio movimento. O orgulho de ser gay não pára de crescer. E junto com ele o mercado, a despeito dos que insistem em discriminar o povo do arco-íris.

Demanda – Ainda não há números precisos sobre o total de dinheiro movimentado pelos gays no Brasil. Mas há alguns indícios de um aumento da demanda por produtos e serviços para a comunidade. ONGs ligadas ao mundo gay calculam que 10% da população fez uma opção sexual alternativa, algo em torno de 18 milhões de brasileiros. Dados da recém-criada Associação dos Empresários GLS do Brasil revelam que no ano passado só na cidade de São Paulo esse público gastou mais de R$ 150 milhões. Se o preconceito não fosse maior que a vontade de ganhar dinheiro, esses números seriam ainda mais altos. Nos Estados Unidos, a comunidade homossexual desembolsou US$ 47 bilhões em 2000. Aqui, apesar de o orçamento total da Semana do Orgulho Gay de São Paulo ter ficado em R$ 320 mil, apenas R$ 200 mil foram arrecadados. “Convidamos 200 empresas para patrocinar o evento, mas apenas três toparam”, conta Fátima Tassinari, captadora de recursos da Parada. Graças ao portal eletrônico IG, à bebida energética Red Bull e à companhia aérea South Africa, o maior evento gay da América Latina poderá ser realizado. “Infelizmente, muitas empresas ainda têm receio de se aliar aos gays com medo de denegrir sua imagem”, lamenta Fátima.

Público feminino – Enquanto a maioria dos grandes empresários coloca o preconceito à frente dos negócios, os pequenos fazem a festa apostando no público GLS, um segmento da sociedade com alto poder aquisitivo. “Se não há solidariedade e amparo legal, vamos ser aceitos pela força da grana”, brada o educador Beto de Jesus, 38 anos, presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT. No Rio de Janeiro, o número de estabelecimentos GLS cresceu 90% nos últimos cinco anos. Prova disso é que a primeira e mais famosa boate gay da zona sul da cidade, a Le Boy, ganhará agora uma versão para lésbicas.

Com inauguração prevista para setembro, a La Girl terá capacidade para 250 meninas, contra os 1.500 garotos que costumam lotar a boate gay. Para quem acha que as garotas estão sendo preteridas, aí vai a explicação do empresário Gilles Lascar, dono dos estabelecimentos: “O público feminino é bem menor do que o masculino. E tem características diferentes.” Nada do bate-estaca eletrônico típico da ferveção gay masculina. Para as frequentadoras da nova casa, o som na caixa é MPB.

Na cidade de São Paulo, o crescimento da vida noturna gay é ainda mais evidente. Segundo o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, o número de estabelecimentos especializados dobrou desde a primeira Parada Gay, em 1997. Hoje, são mais de 100 boates, restaurantes e bares GLS. A força de outros segmentos emergentes do setor também merece atenção. Agências e operadoras de turismo, editoras e até hotéis encontram nos bolsos do povo rosa uma maneira de escapar do vermelho. A Álibi Turismo é a primeira operadora do País voltada para homossexuais. Ela faz pacotes para casais e solteiros, organiza viagens para eventos gays mundo afora e fecha hotéis e pousadas para encontros de grupos. “No ano passado, tivemos um faturamento de R$ 1 milhão. Mais de 700 gays viajaram pela operadora. Este ano, a expectativa é de crescimento”, afirma Franco Reinaudo, 38 anos, proprietário da operadora. A maior novidade no setor é a adesão dos hotéis. Hoje, é possível ir com o parceiro(a) e pedir um quarto de casal sem chocar o recepcionista. São 25 hotéis espalhados pelo Brasil, alguns tradicionais, como a rede Othon.
 

Encontrar o nome desses hotéis e de outros 500 endereços gays ficou mais fácil com a publicação de Reinaudo, o Guia Brasil GLS (GLS Edições). Este é um dos 27 títulos da editora que, em três anos, alcançou a liderança do segmento. “É um nicho pouco explorado e sedento por novidades”, explica Laura Bacelar, da GLS Edições. Além do Guia, a editora acaba de lançar Grrrls, garotas iradas, da cantora Vange Leonel, e Desclandestinidade, de Pedro Almeida. Ele conta a história de um homossexual religioso e promete ser o best-seller da editora. Isto é, se as grandes livrarias não esconderem o ouro. Teoricamente, os títulos GLS deveriam ser encontrados em qualquer livraria. Na prática, só as especializadas, como a Futuro Infinito, em São Paulo, facilitam a venda. Quem estiver atrás desses livros deve procurá-los nas prateleiras de auto-ajuda, vida moderna, geral ou outros.

Sem espaço – Se as livrarias ainda fecham os olhos para este mercado, o mesmo não acontece com a tevê. Há dois meses, a drag queen Nany People invade as telas de milhões de pacatas donas-de-casa brasileiras. Ela é repórter e uma das principais atrações de Hebe Camargo, uma das maiores audiências do SBT. “Deitei plebéia e acordei princesa. Fui na Hebe vender a minha linha de bonecas e acabei contratada. Apesar do sucesso, sei que nenhuma mãe me quer como nora”, afirma Nany, que também apresenta dois programas na Jovem Pan, uma das rádios mais ouvidas de São Paulo.

O preconceito visto com bom humor por Nany poderia ser bem menor se alguns projetos tivessem se transformado em leis. A parceria civil, que regulamenta a união entre homossexuais, proposta por Marta Suplicy quando era deputada federal, entrou em pauta e está pronta para ser votada no Congresso. Mas o lobby pela reprovação da lei é grande. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a bancada evangélica da Câmara pressionam contra. Os homossexuais conquistaram o seu espaço. Mas o caminho para a liberdade total parece estar apenas no começo.
 

Colaborou Liana Mello

Vai ser um arraso
O grande babado da semana da Parada é o Gay Day, que acontecerá no sábado 17 no Hopi Hari, um megaparque de diversões localizado a 72 quilômetros de São Paulo. A brincadeira foi inspirada no similar americano, que todos os anos leva milhares de homossexuais à Disney, na Flórida. Esperam-se mais de dez mil gays no Hopi Hari. O parque não será fechado para eles. “Queremos estimular a convivência. Se fôssemos fechar, transformaríamos o Hopi Hari em um imenso gueto”, alega Beto de Jesus, presidente da Associação da Parada. Para desespero das drags, elas não poderão subir montadas nos brinquedos, ou seja, com suas perucas gigantescas, vestidos e saltos plataforma. A direção do parque teme que essas peças provoquem acidentes. No domingo, dia da Parada, o grande agito estará no ônibus Frescão, iniciativa de André Fischer, o idealizador do festival de cinema Mix Brasil e autor do termo GLS. O veículo de dois andares deverá ser o transporte oficial da galera VIP no desfile. Bebida e agito não faltarão. Tudo isso com o eletrônico no último volume.