Das suas bem recheadas lembranças da infância à juventude, passadas na interiorana Santo Amaro da Purificação, Caetano Veloso sempre consegue buscar situações que, não raro, rendem histórias e associações das quais brotam belas letras de canções ou projetos como o que em 1997 o levou à cidade italiana de Rimini. A convite de Maddalena Fellini, irmã do genial cineasta Federico Fel-lini, o cantor e compositor mais músicos brasileiros participaram de um espetáculo em homenagem ao diretor e à sua mulher, Giulietta Masina, ambos ídolos de Caetano, que, em entrevistas à imprensa italiana, costuma tecer espessos elogios à dupla. Maddalena sabia, inclusive, que ele havia composto a belíssima Giulietta Masina, faixa do álbum Caetano, de 1987. Durante a escolha do repertório do ótimo álbum Omaggio a Federico e Giulietta, mais uma vez Caetano Veloso recorreu à sua memória afetiva. Lembrou do faquir Eli, que apareceu na sua cidade baiana para permanecer dentro de uma urna de vidro por mais de 30 dias. Enquanto as pessoas se aglomeravam para ver o artista masoquista, ouvia-se o tango Nada, transformado em samba por Waldemar Reis. “A palavra ‘nada’ ecoava pelas ruas”, conta ele. “Do alto-falante me vieram as notas meio exóticas, meio nostálgicas do Mercado persa, de Ketelbey.” Aconteceu imediatamente a associação com o tema Gelsomina, de La strada, de Fellini, misturada à canção Nada, ambas faixas deste disco.

Foi assim que Caetano fez uma seleta de deliciosas canções, umas cantadas em italiano, a maioria em português, uma em inglês, sempre com a precisão de intérprete de ouro que é. Mesmo com a voz apresentando pequenos problemas, talvez pela situação tão especial que vivia, e que ele se desculpa no encarte do CD. Ao ouvinte mais interessado na emoção só vai sobrar atenção para suas interpretações de Come prima, Chega de saudade ou então da nostálgica, definitiva Trilhos urbanos. Caetano Veloso fez mais um trabalho de fina estampa.