Toda vez que o telespectador vir os enormes campos de café e a italianada na lida, vai estar diante da verdadeira Terra Nostra. Essa ilha verde e vermelha está a 230 quilômetros a oeste de São Paulo, em Espírito Santo do Pinhal, quase na divisa com Minas Gerais, e as histórias que guarda servem de enredo para muito mais que uma novela. Pinhal, que completa 150 anos, recebeu no final do século passado e início deste boa parte dos italianos que atravessavam o oceano em busca de um lugar melhor. Hoje, estima-se que dos 45 mil habitantes quase a metade é formada por descendentes de italianos. Muitos deles ainda dependem da colheita como os antepassados. “Meu avô veio para cá para fugir da fome”, diz Clélia de Fátima Agostinho Scaramussa, que trabalha na Fazenda Santa Inês, onde foram gravadas as externas.

 

Clélia foi para a Santa Inês quando tinha cinco anos. Antes disso, a família peregrinou por diversas fazendas de café. Mãe de Thiago, sete anos, e de Daniela, 16, ela espera um destino melhor para os
filhos. Casada com Ovídio Scaramussa, a família quase toda está na fazenda. Alguns criaram raízes, como Ovídio, outros estão sempre prontos para partir, como seu irmão mais velho, Valdomiro Scaramussa. “A gente fica um pouco aqui, um pouco em outro lugar. É tudo a mesma coisa. Se o patrão é bravo, a gente segue em frente”, diz Valdomiro, com sua voz arrastada, que não esconde o sotaque. Inquieto, ele guarda as características aventureiras dos seus antepassados. O pai veio da Itália no começo do século, e chegou a voltar. “Foi embora quando eu tinha 21 anos e voltou para morrer no Brasil. Não queria saber mais da Itália”, lembra Valdomiro. O “capataz” da fazenda, Paulo Ricci, 33 anos, também é descendente de italianos e entende o temperamento dos sicilianos como os Scaramussa e os da sua própria família. Técnico agrícola ele acredita que foram poucos os imigrantes da região que venceram. “A maioria trabalha como empregado e vive uma vida errante. Continuam imigrantes.”

Na cidade, 300 pessoas foram escolhidas para fazer a figuração da novela. De olhos grudados na telinha, elas se acham nas cenas. Não só elas, mas toda a cidade acompanha, vidrada, os capítulos que mostram a “gente de Pinhal”. Valderez Rodrigues Signorini, 50 anos, não esconde nos gestos e no timbre da voz a descendência. Seus avós se conheceram no navio e se casaram no Brasil. “Numa cena em que acenamos com lenço branco, no cais do porto, o diretor dizia que era para fazer um semblante de sofrimento. Nem precisava. Eu chorava só de imaginar que estava vivenciando uma cena que podia ser a dos meus avós.”
Histórias como essas se repetem no bairro de Santa Luzia, a quatro quilômetros do centro da cidade. É um reduto de italianos. Só a família Belli tem mais de 300 descendentes. Os irmãos José Belli, 70 anos, e Lúcio Belli, 76, também deram pinta na novela. Representam sua própria saga, já que os avós vieram no final do século
em busca de riqueza. O nonno, José Belli, lutou na guerra de unificação do país. Veio da região de Milão para o Brasil já casado, com três filhos, inclusive o pai de José e Lúcio, Emílio Belli, ainda criança. Os outros nove nasceram no Brasil. Começaram a trabalhar em fazenda de café. Quatro filhos arrumaram um empréstimo de um outro italiano que já havia “enricado” e tornaram o sonho de terra em realidade. O empréstimo era pago parte com trabalho, parte com dinheiro. O esforço fez com que conseguissem comprar 32 alqueires de terra, no Santa Luzia. No sítio batizado de Morro Azul foi morar o nonno com quatro filhos e suas famílias. Na casa de 13 cômodos chegaram a viver 70 pessoas. Lúcio Belli foi um deles. “Cada um dormia onde dava.”

“Aqui todo mundo trabalha junto. Eu comecei a trabalhar no café, aos sete anos, e passei a vida na enxada”, conta Lúcio Belli. A família de Emílio Belli conseguiu transformar os oito alqueires herdados, com a morte do nonno, em muito mais terra. “Fomos trabalhando, juntando dinheiro e comprando terra”, conta José Belli. Hoje, os Belli somam quase 300 alqueires de terra. Na maioria tem café plantado. Descendentes de um avô que veio para o Brasil cansado da guerra, os Belli guardam a prodigiosa marca de aproximadamente um alqueire por descendente. Sob a proteção de Santa Luzia, conquistaram o novo mundo, e o cheiro da florada do café continuará a embalar o sonho de muitos que ainda virão.