No começo da noite da quinta-feira 16, o líder do PMDB no Senado, Jader Barbalho, chegou preocupado e saiu inflado do Palácio da Alvorada. Temia que o presidente Fernando Henrique Cardoso tentasse convencê-lo a desistir da queda-de-braço com o todo-poderoso senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) em torno da relatoria do PPA, o ambicioso plano de investimentos de R$ 1,1 trilhão para os próximos quatro anos, que recebeu o apelido de Avança Brasil e pretende ser usado para resgatar a popularidade perdida pelo governo. Desta vez, porém, FHC não colocou panos quentes. Irritado com os pitos públicos que tem recebido de ACM, Fernando Henrique simplesmente estimulou Jader a medir forças com o Toninho Malvadeza. Com o aval presidencial, Jader colocou em xeque o jogo de Antônio Carlos Magalhães. Rei do blefe, o presidente do Congresso repetiu a estratégia de sempre dobrar as apostas, mas a cada lance novo Jader pagava para ver. Na última quarta-feira, ACM finalmente perdeu a pose. “Estou acuado, preciso de uma saída”, repetia a aliados sem esconder o medo de sair desmoralizado do episódio. Mesmo assim, ainda tentou uma última cartada.

Trio desafinado – Sem a arrogância habitual, Antônio Carlos pediu ao vice-presidente Marco Maciel e ao presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), que o ajudassem a convencer Fernando Henrique a entrar em campo e forçar um recuo de Jader. Não deu certo. Na quarta-feira 15, o presidente recebeu o trio pefelista, numa reunião no Palácio da Alvorada, e manifestou sua preocupação com a guerrinha entre os aliados, mas negou-se a interferir na briga. Tudo de acordo com o script que havia traçado com Jader e a cúpula do PSDB. Um abatido ACM retornou ao Congresso e procurou manter as aparências. Chegou a dar um ultimato às lideranças partidárias para que chegassem a um entendimento em 90 minutos, caso contrário, adotaria uma medida de força intervindo na Comissão Mista de Orçamento e destituindo Jader da relatoria do Avança Brasil, a marca de fantasia do PPA. Mesmo já tendo desistido de ser o relator do plano do governo, o presidente do PMDB resolveu esticar a corda e dar mais um nó em ACM. Cercado de líderes dos partidos, fez questão de permanecer sentado numa cadeira na primeira fila do plenário, e a reunião acabou sendo adiada para a manhã seguinte. “O Jader deixou claro que o senador Antônio Carlos é presidente e não dono do Congresso”, avaliou o deputado Marcelo Déda (PT-SE). “O ACM foi derrotado e isso foi bom para ele saber que não manda sozinho no Congresso”, reforçou o líder do PT na Câmara, deputado José Genoíno (SP).

Naquela noite, o presidente do Senado sentiu que havia perdido a batalha, saindo derrotado da refrega política, e que o PMDB acabaria ficando mesmo com a relatoria do PPA. Enquanto Antônio Carlos se recolhia na residência oficial da presidência do Senado, Jader foi à casa da deputada Maria Elvira (PMDB-MG) comemorar o aniversário do presidente da Câmara, deputado Michel Temer (SP). O prato de resistência na festa do PMDB foi bobó de camarão, uma tradicional iguaria baiana. “O senador Antônio Carlos Magalhães vinha exagerando em relação ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao Congresso. Foi preciso colocar um limite nisso”, diz a anfitriã Maria Elvira.

Falsidade – Na manhã de quinta-feira 16, os líderes chegaram a um entendimento e resolveram dar a um deputado do PMDB a relatoria do Avança Brasil. Acordo feito, a sessão do Congresso se transformou num festival de hipocrisia. Depois de passarem quase três semanas entre insultos e acusações, Jader e ACM trocaram abraços e elogios como se nada tivesse acontecido. “Agora, fica selada a união. A solução só foi possível graças ao desprendimento do senador Jader Barbalho”, rasgou seda Antônio Carlos. O cacique do PMDB devolveu o afago: “Dizem que somos parecidos. Mas se sou parecido com Vossa Excelência, só sou nos defeitos.” Muito aplaudido, o senador paraense seguiu na mesma linha: “Nos ensinamos mutuamente nesse episódio. Na nossa divergência, jamais faltou respeito.” Em meio a tanto rapapé, agora devem ser novamente empurradas para debaixo do tapete as denún-cias de que ACM teria sido sócio do ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá, do quebrado Econômico, numa empresa no paraíso fiscal das Ilhas Cayman e de que Jader Barbalho deu um desfalque no Banco do Estado do Pará. Toda vez que Jader e ACM batem cabeça, as acusações mútuas voltam à tona. Mas logo fazem as pazes e nada é apurado. A hipocrisia, porém, não é um prática apenas dos dois caciques.

A turma do vice-presidente Marco Maciel, por exemplo, que disputa com Antônio Carlos o comando do PFL, torceu sem dar bandeira para que o senador baiano não atropelasse Jader. No PMDB aconteceu a mesma coisa. Os peemedebistas da Câmara trabalharam para uma vitória apenas parcial de Jader Barbalho para não perderem espaço na cúpula do partido.

Dois maridos – O presidente da Câmara, deputado Michel Temer (SP), foi um deles. Outro foi o líder Geddel Veira Lima (BA), que se irritou quando correligionários peemedebistas ligados a Jader começaram a compará-lo à Dona Flor, personagem de Jorge Amado que tinha dois maridos. Apesar dessas insinuações, Ged-del também foi vetado por ACM. Coube ao líder do PFL no Senado, Hugo Napoleão (PI), comunicar a Jader que Antônio Carlos também não queria Geddel como relator do PPA. “Eu não quero o cargo, tenho outros brinquedinhos para brincar”, ironizou o líder do PMDB. No meio de toda a confusão, as oposições, que normalmente não são nem cheiradas, também entraram no jogo. Aliaram-se ora com ACM, ora com Jader. Com isso, acabaram arrancando o compromisso dos líderes das grandes bancadas de que, a partir de agora, vão participar do rodízio na indicação de relatores das propostas mais importantes. Os tucanos pegaram a deixa de ACM de que caberia ao partido a indicação do relator do PPA para fazer uma aposta maior. Em sintonia com Fernando Henrique Cardoso, lutaram até o fim pelo cargo sabendo de antemão que não emplacariam. Com isso, ganharam cacife para um entendimento mais amplo com o PMDB. No Palácio do Planalto e no alto tucanato cresceu a idéia de substituir o PFL pelo PMDB como aliado principal do Governo.

Tomar o poder – Numa conversa a sós, Jader e o líder do PSDB na Câmara, deputado Aécio Neves (MG), começaram a alinhavar um entendimento para que os dois partidos assumam em 2001 o comando do Congresso. “Vocês agora são nossos credores e o PMDB saberá pagar essa dívida”, disse Jader a Aécio. Além de quererem baixar o facho de ACM, os dois partidos começam a estudar a alternativa de se aliarem na sucessão presidencial em 2002. Na realidade, a briga em torno da relatoria do PPA foi apenas um pretexto. Afinal, trata-se de um plano de intenções que depende do dinheiro da iniciativa privada para dar certo. O pano de fundo de toda essa celeuma é a disputa pelo poder no Congresso, onde Antônio Carlos vinha dando as cartas praticamente sozinho. A partir de agora, terá de dividir as decisões com os parceiros de mesa.