Responsável por registrar os efeitos das principais mudanças na sociedade durante os últimos 35 anos, especialmente em continentes como África e América Latina, o mineiro Sebastião Salgado partiu para novos rumos em sua última obra, “Gênesis”, que mostra lugares ermos e escondidos do globo. “Passei mais de 40 anos fotografando aspectos sociais, imagens às vezes duras, e chegou um momento em que queria ver o planeta”, diz ele em entrevista à ISTOÉ, durante uma passagem rápida por São Paulo. Cenas dos bastidores de alguns ensaios realizados para o livro podem ser vistas no documentário “O Sal da Terra”, filmado pelo cineasta alemão Wim Wenders e por seu filho Juliano Ribeiro Salgado. Prêmio do Júri da mostra “Um Certo Olhar”, no Festival de Cannes deste ano, o filme abre o Festival do Rio na quarta-feira 24, e está previsto para estrear em circuito nacional em janeiro de 2015.

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NA FRENTE DA LENTE
O documentário levou prêmio em Cannes, neste ano

O filme é um projeto acalentado há alguns anos. Começou com o encontro de Wenders e Salgado em 2009, durante a criação de “Gênesis”. Admirador dos filmes do alemão, o fotógrafo sugeriu que trabalhassem em algo que envolvesse a projeção de imagens fotográficas acompanhadas de música. O projeto não vingou, mas a intenção de trabalharem juntos permaneceu.

Salgado viajou com o filho para o Pará, onde conviveram por algum tempo com a tribo local dos Zo’é. Sem compromisso, Ribeiro começou
a filmar. “Quando lhe mostrei as imagens, ele chorou. Ver meu pai assim me deu confiança para fazer o filme”, diz Ribeiro. Ele decidiu aproveitar as imagens e criar um longa-metragem ao lado de Wenders. “No começo tinha muitas dúvidas, achava que não devia fazer, não sabia se teria liberdade. O Tião é muito focado e rigoroso quando está trabalhando, não gosta de repetir cenas”, diz Ribeiro, que chama o pai pelo apelido.

“Sempre que meu pai volta de viagem, ele gosta de contar suas experiências. Eu e o Wim conversamos sobre como usar isso. Nos demos conta de que podíamos contar a história do Tião dessa maneira”, explica o cineasta. A fase seguinte foi editar o material, um processo que durou um ano e meio. “Em alguns momentos eu queria fazer algo de um jeito e ele de outro. Foi complicado, mas ficamos felizes com o resultado final”, diz.

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MAKING OF
Salgado (ao lado) em cena do documentário "Sal da Terra",
dirigido por Wim Wenders (abaixo)

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Salgado se dedica a outro projeto, sobre tribos indígenas brasileiras. “Estou trabalhando com a Funai desde o ano passado. Fiz uma reportagem com um grupo indígena no norte do Maranhão, e este ano fiz outra com os ianomâmis. É algo que vai me tomar ainda alguns anos”, diz. “Na nossa história a contribuição indígena foi muito grande. Com essas tribos faço um trabalho ligado à ideia do que somos, esse lado do nosso componente racial que desconhecemos.

As pessoas acham que em São Paulo a grande contribuição foi italiana ou japonesa, mas na verdade foi indígena”, diz.
Aos 70 anos, Salgado trabalha diariamente e chega a passar dois meses em campo e um fechado em edição. Economista por formação – era da equipe de Delfim Netto na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo em 1967 –, afirma que sempre incorporou elementos da sua profissão à fotografia. “Demorei para entender que com a experiência que tinha não poderia trabalhar em outra coisa”, diz.
“Mas nunca aprendi fotografia em escola”, completa.

“O sistema exigiu que viesse alguém como o Lula”

Em entrevista à ISTOÉ, Sebastião Salgado comenta um pouco das mudanças sociais que acompanhou durante sua carreira e opinou sobre os atuais candidatos às eleições no País.

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ORIGENS
Foto do livro "Gênesis" mostrando a região ao sul de Djanet,
na Argélia, em imagem captada em 2009

ISTOÉ – O sr. passou longos períodos documentando o trabalho manual em todo o mundo, que resultou no livro “Trabalhadores”, e também o fenômeno da migração em massa, em “Êxodos”. Como vê esses assuntos hoje? Houve uma mudança significativa?
Sebastião Salgado –
Vivi um pedaço da nossa história moderna. Hoje o Brasil é um país integrado no sistema econômico planetário. Mas no início dos anos 80, não existia a ideia de “globalização”. Víamos uma grande quantidade de indústrias europeias, dos países desenvolvidos, deixar de existir lá para existir aqui. Isso caracterizou uma terceira revolução industrial. Na Europa as indústrias de transformação estavam acabando, era o fim do trabalho manual. Fui achar isso na Índia, no Brasil, na Rússia. Passamos por governos que agiram em função desse redirecionamento, como o do PT. O Lula não é alguém interessante porque botou 40 milhões de brasileiros na classe média. Foi o sistema que exigiu que viesse alguém que integrasse e resolvesse um problema. E isso foi resolvido com a redistribuição de renda e a reinserção dessas populações.

ISTOÉ – Como o sr. encara os candidatos atuais? Votaria em alguém?
Salgado –
Acho que todas as opções são interessantes. O país está no início de um processo de desenvolvimento. A classe política e os três principais líderes são um produto desse movimento histórico. A Dilma pegou a herança do Lula, é parte dessa continuidade. O discurso principal da Marina é muito interessante, pena que ela não conseguiu registrar seu partido, e está entrando de segunda mão. E o Aécio é uma liderança jovem. Apesar de vir de um grupo político de centro, a formação das lideranças do partido dele também é muito próxima de uma ideia social.

Fotos: NICOLE TOUTOUNJI; Donata Wenders; Sebastião Salgado