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Confira os bastidores da história com a repórter Fabíola Perez.

O paulista Daniel Edmans Forti, 52 anos, tinha uma rotina aparentemente prazerosa no Rio de Janeiro, para onde se mudou a fim de se especializar em medicina do trabalho. Solteiro e sem filhos, ele prestava serviços para diversas empresas e dedicava grande parte do seu tempo ao trabalho. Mas sua vida mudou abruptamente em 2011, quando sofreu um gravíssimo acidente de moto, que deixou como sequelas o uso de muletas para locomoção, sondas permanentes e a impossibilidade de exercer a profissão. E acabou três anos depois, quando, na segunda-feira 15, ele disparou cinco tiros contra seu urologista, Anuar Ibrahim Mitre, um dos mais renomados do País, em seu consultório, e se matou com um tiro na cabeça, em São Paulo. Depois do crime que abalou a cidade e a comunidade médica, surgiram vários questionamentos, a maioria deles ainda sem resposta. Mas a primeira pergunta é: o que leva uma pessoa a agir dessa forma? Quando o sofrimento prolongado, como no caso do ex-médico, que, segundo relatos, viveu um calvário físico e psicológico após o acidente de 2011, se mistura com uma alta dose de expectativa, as consequências podem ser trágicas. “A frustração gera um sentimento de raiva ou tristeza e a raiva é a emoção que busca por culpados”, afirma Diogo Rizzato Lara, professor de psiquiatria da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). O culpado, para Forti, era Mitre. Dos cinco tiros que disparou, três acertaram o urologista – na cabeça (globo ocular), no peito e no braço. “O suicídio reflete falta de esperança, desconexão, isolamento”, diz Lara. “Ele devia se sentir desconectado da profissão e da família e com a sensação de incapacidade profissional.”

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ATAQUE
Daniel Forti (acima) acertou três tiros no urologista Anuar Ibrahim Mitre,
um deles no globo ocular, e depois de suicidou

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Até o momento, a principal linha de investigação é a de vingança. “Mas ainda aguardamos receber o prontuário médico do Daniel Forti”, diz o delegado Paulo César de Freitas, da 40ª. Delegacia de Polícia de São Paulo, que está à frente do caso. O que ocorreu após o acidente de moto no Rio de Janeiro ainda está nebuloso para a própria polícia. Parentes próximos relatam o descontentamento de Forti com o resultado de uma cirurgia que Mitre havia feito nele. Segundo a versão do irmão e da mãe, a operação o teria deixado com impotência sexual e incontinência urinária. Ela teria sido feita para reparar uma intervenção anterior. Em 2011, logo após o acidente, o paulista foi levado para o Hospital das Clínicas de Padre Miguel, no Rio de Janeiro, e teve de passar por uma cirurgia. Com fraturas pelo corpo, perfurações no pulmão e problemas na uretra, permaneceu internado por meses na Unidade de Terapia Intensiva do hospital. Segundo o irmão, o engenheiro mecânico José Edmans Forti, o médico mudou após o acidente. “Ele se tornou uma pessoa reservada e introspectiva”, afirmou. Em seu depoimento, ele diz que o irmão, usando sonda e muletas, teria deixado de trabalhar e, sem condições financeiras para manter as anuidades do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, pedido o cancelamento do registro. Em 2012, Forti se mudou para São Paulo e, com ajuda da mãe, a corretora de imóveis Eliane Esther Simhon Forti, que intermediou o contato com o urologista, conseguiu fazer uma cirurgia reparadora gratuitamente com Mitre. Essa operação é que teria causado danos. À polícia, Esther levou uma carta, apresentada ao CRM em 2012, na qual consta uma reclamação contra Mitre. O ex-médico acusa o urologista de ser “negligente e imprudente” e tê-lo submetido a uma cirurgia mutiladora. Mitre teria proposto, segundo o documento, a reconstrução da uretra. E Forti afirmava que a partir de então passou a sentir dores na região e impotência sexual. Segaundo o CRM, foi aberta uma sindicância para apurar as denúncias. No início deste ano, porém, os conselheiros decidiram arquivar a reclamação por entenderem que não houve indício de infração médica.

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Diante da tragédia, que ocorreu num centro empresarial em frente ao Hospital Sírio Libanês, um dos melhores da América Latina, na região central da cidade, pessoas próximas classificam o comportamento do ex-médico como um “surto psicótico”. Forti era judeu e foi enterrado na quarta-feira, 17, no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo. O urologista, que também é membro do Conselho Consultivo do Instituto de Ensino do Sírio, professor da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo e professor titular de urologia da faculdade de medicina de Jundiaí, está internado na UTI do Sírio, sedado, em condição estável e sem previsão de alta. Segundo o também urologista César Câmara, o desfecho dramático direcionado ao colega ocorreu por Mitre ser a pessoa mais próxima a ser responsabilizada, “não por uma cirurgia, mas por tudo o que ocorria de negativo a Forti nos últimos anos.”

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IN LOCO
Maria do Carmo Quintino, secretária de Mitre há 22 anos, testemunhou os disparos
realizados no consultório: polícia requisitou o prontuário médico de Forti