Com capa dura, páginas de papel e orelhas, ele seria um livro comum, não fossem os minúsculos circuitos eletrônicos e uma memória potente embutidos em seu miolo. O índice não traz a relação dos capítulos da publicação, e sim uma listagem de centenas, talvez milhares de títulos armazenados em sua memória. Ao tocar sobre a tela com uma caneta especial, as páginas são preenchidas em segundos com o enredo da história escolhida – verdadeira impressão em tempo real, uma espécie de download feito diretamente para o papel digital. Tão fino quanto um chumaço de cabelos, esse livro eletrônico com superfície plástica maleável é visível de qualquer ângulo e leve o suficiente para se carregar debaixo do braço. Em cinco anos, um único livro desse tipo poderá substituir toda uma biblioteca. O alemão Johannes Gutenberg, que no século XV usou a pele de mais de cinco mil ovelhas para confeccionar os pergaminhos em que imprimiu dezenas de exemplares de sua Bíblia, ficaria assombrado com a folha que se imprime sozinha.

No começo do mês, a empresa americana Eink apresentou um protótipo de tela para computador de bolso feita de papel eletrônico com resolução de 80 pontos por polegada (dpi). Fruto de uma parceria com a holandesa Philips, a tecnologia da Eink (de eletronic ink, ou tinta eletrônica) deve invadir o mercado de monitores de aparelhos portáteis em 2003, incluindo as telas dos telefones celulares – não é à toa que a Motorola tem dinheiro investido na Eink. A tela de papel pode ter menos de um milímetro de espessura, contra pelo menos sete milímetros das telas de cristal líquido, e absorve de um décimo a um milésimo da energia consumida por um monitor normal. Ou seja, a tecnologia promete ser o início da era dos aparelhos finos, leves e econômicos. Além disso, a tela de papel eletrônico pode ser lida de qualquer ângulo e sob qualquer tipo de iluminação, já que não reflete a luz ambiente – como o bom e velho livro.

Silicone – O segredo do papel eletrônico é uma tinta pesquisada em laboratório desde 1975. Naquele ano, o cientista Nick Sheridon, do lendário centro de pesquisas da Xerox em Palo Alto, nos EUA, começou a desenvolver um papel digital capaz de substituir os monitores de computador – algo que ia na contramão do desejo dos colegas, que apostavam que as telas brilhantes aposentariam livros, revistas e jornais. Logo surgiram os primeiros protótipos do Gyricon (criada pela empresa de mesmo nome), uma folha de silicone transparente repleta de esferas plásticas microscópicas que são estimuladas eletricamente para formar uma imagem na superfície do papel (leia quadro). O problema é que os circuitos elétricos necessários para isso eram rígidos e caros, o que fez a Xerox abandonar o projeto em 1977, para só retomá-lo no meio da década passada. Independente da Xerox desde o ano passado, a empresa criou o protótipo de uma tela que usa tinta eletrônica e o de uma impressora que, em vez de soltar tinta, emite descargas elétricas para gravar no visor as informações enviadas pelo computador.

“A tinta eletrônica é a revanche e a salvação do conteúdo que depende de papel, como livros, revistas e jornais, porque fará com que eles sobrevivam na era dos computadores”, disse a ISTOÉ Russ Wilcox, vice-presidente e gerente-geral da Eink. Criada em 1997, a empresa investirá US$ 70 milhões em pesquisa para aprimorar uma tinta semelhante à criada na década de 70 pela Xerox. O problema da rigidez dos circuitos eletrônicos foi resolvido com o uso de placas condutoras de eletricidade (eletrodos) feitas de material plástico transparente, produzidas pela americana Lucent. A tinta da Eink já é usada em cartazes de lojas nos Estados Unidos. A primeira delas foi a cadeia JC Penney, que não precisa imprimir uma nova leva de anúncios quando alterar uma promoção – basta apertar poucos botões e ordenar a atualização automática das telas de tinta eletrônica.

Agora, o desafio dos cientistas das empresas Eink e da Gyricon é criar uma tinta eletrônica colorida de alta resolução – a Eink fez monitores em cores, mas com baixa definição – e um sistema que permita a atualização dinâmica das informações. Assim será possível exibir numa mesma folha de papel eletrônico o conteúdo completo de revistas, jornais e livros ou as cenas do próximo capítulo da novela.