À primeira vista, a loja de conveniência onde Marcos (Ricardo Darín) e Juan (Gastón Pauls) se conhecem poderia estar localizada em qualquer cidade da América Latina. Circunstancialmente, trata-se de Buenos Aires, assim como os dois personagens também são argentinos. É nesta desobrigação de mostrar-se portenho que repousa um dos pontos positivos de Nove rainhas (Nueve reinas, Argentina, 2000), em cartaz em São Paulo. Marcos e Juan vivem de pequenos golpes e não conseguem se livrar da perseguição de credores. O primeiro parece ser mais escolado, mas, aos poucos, dá para notar que o outro tem lá seus truques. Ambos serão responsáveis pelo roubo e consequente falsificação de uma raríssima série de selos chamada Nove rainhas. A trama com a bela Leticia Bredice no papel de Valeria mostra-se aparentemente simples. Mas é um achado do diretor Fabián Bielinsky, que, apesar de quarentão, encabeça uma nova geração de cineastas portenhos. Todos igualmente enfadados com a fidelidade aos clássicos do cinema e com a lamúria envolvendo os anos da repressão militar, temas característicos das produções de seu país.

Por remar na contramão, Bielinsky acertou em cheio e o público respondeu muito bem. Nove rainhas é uma das maiores bilheterias do cinema argentino. Aos brasileiros permite uma identificação imediata. Exceto pela língua, os dois protagonistas poderiam perfeitamente passar por cariocas perdidos na Cinelândia. A força da fita,
contudo, reside na transcendência da metáfora em benefício de
um retrato da realidade, por mais absurda que possa parecer, de
um povo aprisionado num país desgovernado. Um tema que nos é
bem familiar.