Medo, ansiedade, frustração, revolta. Há um mês, esses sentimentos escurecem o coração da maioria dos brasileiros. Desde que o governo anunciou a possibilidade de haver um apagão e depois a certeza da sobretaxa, não há mais como viver com o mínimo de serenidade. Como mudar a rotina da noite para o dia, pagar mais e, ao mesmo tempo, conviver com a idéia de que, a despeito de todos os esforços, a luz pode simplesmente apagar? Mais do que se tornar o assunto de todas as rodas e lugares, o apagão virou fonte de stress. E, sem trocadilho, isso consome uma tremenda energia interna. A psicóloga paulista Marilda Novaes Lipp, do Centro de Controle do Stress, lembra que a população está tendo de conviver com uma situação de incerteza, sobre a qual não tem controle. “Esse é o pior tipo de stress. Estamos num momento semelhante ao do Plano Collor: fomos pegos de surpresa, sem direito a opinião e proteção”, diz ela. “A consequência, num primeiro momento, é apatia, desânimo”, completa. Em seguida, podem vir sintomas físicos como azia, úlcera, falta de sono, de apetite e depressão.

Talvez esse último sinal não precise esperar muito tempo para aparecer. Para o psiquiatra Arthur Kaufman, professor de psicologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, muita gente está de baixo-astral com essa economia de energia elétrica. “O inverno já é cinzento. Agora, entramos em vários ambientes e está tudo triste. A maioria das luzes está apagada, com uma bem fraquinha acesa. Isso acentua a tendência depressiva de algumas pessoas”, afirma. Essa meia-luz e a eventualidade de viver boa parte do tempo no escuro – caso o apagão ou os cortes venham mesmo a acontecer – também remetem a um sentimento primário: o medo do escuro. Kaufman explica que todos os nossos monstros internos são protegidos pela escuridão: “O bicho-papão vem pegar quando a criança dorme, o vampiro só vive à noite. O escuro está no nosso imaginário desde que nascemos”, diz.

Outro fantasma habita o imaginário do brasileiro. A psicóloga paulista Magdalena Ramos lembra que a população hoje lida com algo desconhecido, por isso está insegura. “Todo mundo está com medo da violência e de outras ameaças que a escuridão favorece”, diz ela. “O brasileiro foi pego de calça curta. O governo, que deveria cuidar e proteger, não só deixou de fazer isso como ainda pune a população por algo que ela não fez. É ameaçador”, conclui.

Colaboraram: Ângela Oliveira, Chico Silva e Eliane Lobato

Jaildo Santos de Souza
21 anos, entregador de pizza
“Se apagar, vou ter de subir não sei quantas escadas! Além disso, não quero nem pensar nos assaltos. Já pegam a gente de luz acesa… Vou comprar um cadeado para a minha moto e me cuidar ainda mais”
 
Jaqueline de Oliveira Santiago
21 anos, telefonista
“Uso metrô para ir ao trabalho. Morro
de medo de ficar presa lá dentro, caso
a luz apague na hora em que eu estiver viajando. No metrô, embaixo da terra, não há como sair. Não costumo andar de bolsa porque tenho medo de ser assaltada. Mas vou carregar o celular no metrô. Pode ser um contato com o mundo de cima…”
 
Luciano Marcos Sant’anna
29 anos, bancário
“Moro na cobertura do Copam, um dos edifícios mais altos de São Paulo. Recebi um e-mail comunicando que o apagão pode durar até 12 horas. Imagine subir 32 andares de escada para chegar a um apartamento que fica a 120 metros do chão! Além disso, moro no centro da cidade. Cada luminária apagada é um risco. Não tenho carro e não vou poder mais andar à noite”
 
Neiva Maria Ribeiro dos Santos
29 anos, estudante
“Faço chapinha no cabelo toda semana.
E se der apagão na hora do penteado? Vou ficar com um lado liso e o outro encaracolado? Brincadeira. Mas uma coisa me aflige. Tenho medo de dentista. Não quero nem pensar na hipótese de acabar a luz na hora em que aquela maquininha estiver abrindo meu dente…”
 
Narcisa Tamborindeguy
35 anos, socialite
“Tenho medo de ficar presa no elevador. Moro no 11º andar e não posso nem pensar em ficar parada esperando a luz voltar. A garagem do meu edifício já está com a iluminação reduzida e isso me dá um certo pânico. Tenho pavor de escadas escuras também. Para economizar, só acendo abajur e não vou mais fazer festas”
 
João Paulo Teixeira Leite
38 anos, arquiteto
“Penso na insegurança das ruas. Vamos ficar muito vulneráveis. Não vai funcionar nenhum sistema de alarme nem câmeras nos condomínios. O trânsito também pode ficar caótico e levar a mais acidentes. Pior de tudo: isso é uma palhaçada. É mais ou menos como no auge de uma crise econômica suspenderem o cafezinho do Itamaraty…”