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Numa conversa despretensiosa, olhando para o mar, com uma das mais competentes representantes da ciência brasileira – alguém que através da biogenética ajuda a desvendar alguns desses segredos que nos cercam –, algo inesperado surgiu.

Lygia da Veiga Pereira, a acadêmica em questão, depois de remar por 50 minutos em seu stand up em busca de um tipo de iluminação que não se encontra em laboratórios, inicia o relato: assistindo a um importante congresso de sua área realizado nos Estados Unidos, viu-se extasiada durante a apresentação de um colega americano. O cientista apresentava inacreditáveis avanços que ele, junto de uma equipe numerosa, havia obtido na reprodução em laboratório de órgãos genitais de animais fêmeas. Em suas mãos, uma improvável vagina de coelha construída a partir de células-tronco era exibida como uma espécie de troféu científico, que enunciava um salto quântico para o alcance de estágios até há pouco tempo impensáveis para a medicina reparadora, entre outras especialidades.

Mas o fato que causou espécie a nossa observadora era ainda mais curioso. Durante cerca de uma hora de apresentação, o estudioso não utilizou sequer uma vez a palavra vagina. Quase tão complexo como os estudos necessários para atingir seu feito histórico parecia ser o esforço enorme que fazia para encontrar eufemismos e desvios que evitassem o vocábulo proibido.

A tarde caiu, o sol foi embora, mas a pergunta ficou. Por que, afinal, depois de milênios de evolução, continuamos temendo e evitando uma parte da anatomia tão fundamental, presente e associada à ideia de vida? O que há por trás (e pela frente) desse tabu que parece resistir bravamente a todas as derrubadas de muros que se verificaram ao longo das últimas décadas?

De certa maneira chegam a ser assustadores a dificuldade e o desconforto com os quais ainda lidamos com a nudez de maneira geral e a anatomia íntima feminina em particular.

Na foto ao lado, a surfista australiana Marama Kake tenta fazer a sua parte para desmistificar a nudez e desfrutar completamente da liberdade a que tem direito. Ela tem atraído muitos olhares por pegar ondas completamente nua. A atleta de 34 anos surfa assim sempre que tem vontade, com chuva, sol ou com 100 outros surfistas na água. A primeira vez foi em 2003, em Byron Bay, quando na busca por um pico tranquilo acabou indo parar numa praia de nudismo. “Foi uma das experiências mais libertadoras que já vivi: eu era a única pessoa na água, sem nada no meu corpo, nem mesmo o leash (a cordinha que liga a prancha ao tornozelo do surfista), cercada pela natureza”, lembra. Marama não parou por aí. Continuou pegando onda pelada e até construiu uma alaia, tipo de prancha artesanal feita de madeira. “Não tinha como ser um surfe mais natural, e supersustentável: eu, pelada, surfando numa tábua de madeira!”

A imagem de Marama, vista pela primeira vez pelos leitores da coluna (e ao que parece também pelo surfista de olhar petrificado que aparece na fotografia), é parte da próxima edição da “Trip” que será inteiramente dedicada a entender por que, afinal, o órgão sexual feminino ainda é um dos maiores tabus do mundo.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente