Numa edição especial sobre tendências para o terceiro milênio, a revista americana Times condenou Brasília à marreta e recomendou a demolição da cidade. O Distrito Federal foi considerado obra de mau gosto e contrária ao espírito do século XXI. Mas na Organização das Nações Unidas há quem discorde radicalmente dessa proposta. Na Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU, realizada na semana passada em Nova York, Brasília foi apontada como exemplo a ser seguido na Nova Era. Cento e setenta e um países se reuniram para avaliar os resultados da conferência Habitat II, ocorrida em Istambul em 1996. O encontro tratou dos problemas de moradia que afligem o mundo. O governador do DF, Joaquim Roriz, foi o convidado especial do evento. Ele relatou as soluções criadas pelo Projeto Samambaia – distribuição de lotes urbanizados para famílias de baixa renda. O plano, segundo Roriz, acabou com 64 invasões ilegais e “assegurou residência a 120 mil famílias”. A diretora-executiva da agência da ONU para assuntos humanos, Ana Tibaijoka, recomendou a implantação das soluções apresentadas pelo Samambaia em outras partes do planeta.

Foi uma semana de vingança para o governador Roriz, criticado em inglês e português pela revista, por seus projetos urbanísticos. Na terça-feira 6, ele se encontrou com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, num coquetel que celebrava soluções habitacionais como as suas. No mesmo dia, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) confirmava o empréstimo de US$ 130 milhões (cerca de R$ 300 milhões) para as obras de infra-estrutura urbana nas cidades do DF. No dia seguinte, Roriz expôs a arquitetura do Projeto Samambaia na conferência. Ele garante que “esta é a maior reforma urbana do Brasil”. Não passou despercebida a ironia de que essa reforma ocorre numa cidade planejada para não precisar de reformas. Mas em menos de 40 anos o Distrito Federal ganhou uma população de dois milhões de habitantes e as favelas que não estavam no mapa original proliferaram. “Imaginamos que até 2002 vamos ter assentado 600 mil pessoas”, diz Roriz.

O governo não dá casas de graça. “Fazemos a escrituração de lotes, e as famílias constroem a seu gosto. Existem vários projetos arquitetônicos que podem ser copiados. O que verificamos é que a população se esforça para construir a moradia de seus sonhos de modo caprichado”, diz Roriz. Imagina-se que o progresso na forma e função dessa arquitetura popular seja incentivado pelas donas-de-casa. Por isso, a maioria dos títulos de propriedade é passada às mulheres. “Elas obrigam o marido a trocar a cerveja no bar, por um saco de cimento para melhorar a casa”, diz Roriz.
A crítica ao projeto, de que a distribuição de terras vá contribuir para inchar mais a população, incentivando a imigração, foi respondida por Ana Tibaijoca, que esteve nos assentamentos: “Não se pode deixar de dar melhores condições de moradia à população por medo de atrair outros migrantes. Moradia decente é um direito do homem e as cidades que desprezarem isto estarão condenadas ao caos. De Brasília vem uma das soluções para isso, e a tendência para um futuro melhor”, disse. 


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