Está-se às vésperas das eleições e a questão da violência volta à pauta. As soluções apresentadas por candidatos ao Legislativo, no entanto, se repetem na penúria da criatividade: defendem maior tempo de encarceramento aos infratores da lei e uma polícia judiciária que prenda mais. Entre aqueles que já atuam no Congresso Nacional as coisas não são diferentes e, eleições à vista, voa para aprovação o texto do novo Código Penal, que fixa justamente o endurecimento das sentenças e o aprisionamento enquanto regra, não como exceção. Há meses estudo tal texto e me veio a expressão “penúria da criatividade” porque é impossível que parlamentares não saibam que essa mesmice metodológica faz estardalhaço mas pouco tem resolvido. Querem ver? Praticamente todos os delitos no Brasil já são enquadrados como “crimes hediondos”, ou seja, implicam penas mais duras. Com isso, a violência diminuiu ou aumentou? (Creio que não sou eu quem precisa responder). Criou-se a Lei Maria da Penha e o número de agressões às mulheres no País bate na casa dos 155 casos diários – bem mais que no período anterior à sua promulgação. No Brasil crê-se que basta colocar no papel o que é crime e vai todo mundo respeitar o que está escrito.

Reforma-se o Código Penal instituindo-se o exame criminológico do preso para que a Justiça decida se ele tem ou não padrões de personalidade compatíveis com a vida em liberdade – exame criminológico é eufemismo para mantê-lo mais tempo na cadeia, mesmo que a pena tenha se esgotado, como já ocorreu com cerca de 45 mil detentos. Pois bem, como podemos submeter o preso a tal tipo de exame quando chega o momento de ele conquistar a progressão de regime, se quando ingressa no sistema penitenciário a nenhum exame similar ele é submetido? – é igual ao hospital que fizesse o diagnóstico do paciente apenas na hora de dar-lhe alta. Se o exame se faz na hora da saída é porque se pressupõe que presos apresentem psicopatologias que hoje sabemos passíveis de tratamento. Se é para submetê-lo a exame criminológico somente quando a pena se encerra, então fica valendo a minha teoria de que a cadeia é que enlouquece e dota o indivíduo de periculosidade. Mais: o presidiário não recebe tratamento psicoterápico, e aí está uma das causas da reincidência em 49,9% dos casos da violência desenfreada nas ruas. Como pode-se então querer que ele “melhore”? Somente pelo milagre da metanoia, francamente não dá.

A solução é simples: se é para exigir exame criminológico, a população prisional precisa ser tratada por psicólogos e psiquiatras que não estarão no serviço público somente para fazer laudos. Aí sim, jogo jogado. Ainda no campo do encarceramento, hoje se sabe, como mostra o CNJ, que não é a quantidade da pena, mas a certeza de sua aplicação que inibe o infrator. A neurociência aponta que não temos medo da punição, mas sim da ansiedade que desenvolvemos diante da perspectiva da punição. O delinquente, neurologicamente, não desenvolveu a capacidade de sofrer ansiedade – e por isso transgride. Finalmente, fala-se que é necessário prender-se mais para que “o crime diminua aqui fora”. Convido os parlamentares a olharem estudos sérios. William Spelman (Universidade do Texas) e o economista Steven Levitt (Universidade de Chicago) contabilizaram que nos EUA a cada aumento de 10% no número de presos corresponde uma redução média de 3% na criminalidade. No Brasil, segundo o Ipea, a cada acréscimo de 10% no número de encarcerados equivale à redução de somente 0,5% no índice de homicídios nas ruas. E, de acordo com a OEA, para que no Brasil a taxa de homicídios caia dos 27 por 100 mil habitantes para a média mundial de 7, temos de somar mais dois milhões de presos aos 600 mil já existentes.

É uma estratégia louca, digna do doutor Simão Bacamarte. Convém que os pobres da criatividade releiam Machado de Assis para lembrarem que a Casa Verde acabou com um único inquilino – o seu mentor.

Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ