Colecionador argentino diz que a tela de Tarsila do Amaral pode ficar para sempre no País se for criada uma sucursal do Malba no Brasil e critica o decreto presidencial que restringe a mobilidade de arte

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NOVO LANCE
Eduardo Costantini lança empreendimento imobiliário
em Miami em que os proprietários terão sociedade
em obras de arte de Jeff Koons e Beatriz Milhazes

 

O portenho Eduardo Costantini protagonizou há quase duas décadas uma derrota histórica do Brasil contra a Argentina. O arremate por US$ 1,4 milhão do “Abaporu”, tela de Tarsila do Amaral que hoje ocupa como um troféu lugar central no Malba, Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires, fundado por ele. Mesmo sabendo que seu nome causa calafrios em amantes da arte e colecionadores deste país, vê crescer entre a torcida adversária os principais clientes de seu novo negócio, um condomínio de luxo em Miami, a última construção em frente ao mar do disputado bairro de Bal Harbour.

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"Propus a Dilma Rousseff a fundação de um novo Malba no Brasil,
com o ‘Abaporu’ em seu acervo permanente. Fiquei sem
nenhuma resposta. A proposta ainda está de pé"

 

Os donos dos apartamentos, que custam de US$ 3 milhões a US$ 30 milhões, em boa parte brasileiros, levam com a escritura a sociedade nas obras de arte dispostas no hall de entrada, com peças de alguns dos artistas vivos mais caros do mundo, como o americano Jeff Koons e a brasileira Beatriz Milhazes. No terceiro casamento, o pai de sete filhos não revela sua fortuna pessoal em obras de arte que guarda em casa, mas diz que, além de trazer de volta o quadro modernista, compartilharia com o Brasil o acervo de seu museu avaliado em US$ 200 milhões, contanto que se erguesse aqui uma filial do Malba.

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"O alagoano Jonathas de Andrade está entre os artistas brasileiros
que merecem atenção e devem ter seu trabalho
disputado no mercado de arte em breve"

ISTOÉ

 Muitos brasileiros acreditam que mesmo o “Abaporu” não tendo sido arrematado por um brasileiro deveria permanecer no Brasil. O que o sr. pensa a esse respeito?

 
Eduardo Costantini

 Em 1995, eu pude comprar a obra porque não houve proposta brasileira. Em 2011 (quando emprestou o quadro para um evento em Brasília), propus à presidenta Dilma Rousseff que tentasse convocar um grupo de empresários brasileiros para fundar um novo Malba, um segundo museu no Brasil, com o “Abaporu” em seu acervo permanente. Fiquei sem nenhuma resposta. A proposta ainda está de pé.

 
ISTOÉ

 Como seria esse novo Malba e quem seriam os seus gestores? 

 
Eduardo Costantini

 O Malba Brasil seria uma instituição independente, com maioria brasileira no conselho. Isso seria essencial para a integração do museu com a comunidade. O Malba de Buenos Aires forneceria parte de sua coleção permanente, relacionamento institucional e mais de uma década de experiência intensiva para materializar a potencialidade da instituição e da sinergia entre ambos.

 
ISTOÉ

 Houve alguma mudança em nosso país nos últimos 20 anos em relação à cultura? 

 
Eduardo Costantini

 Acho que sim, o Brasil está melhorando. Os latino-americanos estão começando a apreciar a sua própria arte. Há até uma reavaliação da produção brasileira e latino-americana no mundo inteiro, não só do ponto de vista econômico, mas também cultural. É um processo lento, mas acho que estamos na direção certa.

 
ISTOÉ

 Qual foi a última vez que o sr. recebeu um pedido de empréstimo do “Abaporu” no Brasil? Como é a política de empréstimos do Malba?

 
Eduardo Costantini

 O último pedido que recebemos (e atendemos) foi da presidenta Dilma Rousseff, em março de 2011, para um evento realizado em Brasília, no Palácio do Planalto. Minha mulher (a brasileira Clarice Costantini) e eu viemos prestigiar a mostra, uma exposição sobre mulheres artistas. Foi algo muito emocionante. Qualquer uma das peças mais icônicas do museu tem um pedido de empréstimo cuidadosamente avaliado. São muitos os fatores que se deve levar em conta, como a qualidade das condições do local e a segurança que oferece. Muita gente viaja do Brasil e de outros países para Buenos Aires especialmente para ver ou estudar o “Abaporu”.

 
ISTOÉ

 O sr. deve ter acompanhado a publicação do decreto que dá ao Estado brasileiro o direito de definir obras de interesse público e interferir na sua circulação, empréstimo e preço, inclusive de peças de coleções privadas. O que pensa dessa ação? 

 
Eduardo Costantini

 Em primeiro lugar, existe uma questão de arbitrariedade: quais são os critérios que vão definir o que pode ou não sair? Em segundo, restringir a mobilidade de uma obra de arte vai contra a valorização e a livre circulação; é um grande impedimento no funcionamento do mercado. 

 
ISTOÉ

 Por que o sr. começou a colecionar arte?

 
Eduardo Costantini

 A primeira vez que pus os pés em uma exposição foi em 1968, eu tinha então 22 anos. Havia uma galeria de arte chamada Atelier, a duas quadras da minha casa em Acassuso, província de Buenos Aires, onde um dia eu vi, pela janela, o trabalho do artista argentino Antonio Berni (1905-1981), de seu último período. Voltei à galeria dias depois para perguntar o preço. Eu não tinha dinheiro suficiente para comprar a pintura, uma vez que tinha acabado de começar a trabalhar, então eu comprei dois trabalhos menores de Leopoldo Presas e Ivan Vasileff. E paguei em prestações. A compra desses dois trabalhos foi o começo, mas depois continuei comprando arte esporadicamente. Naquela época, eu não tinha ideia de que um dia me tornaria um colecionador. 

 
ISTOÉ

 O sr. tem arte brasileira em sua casa? 

Eduardo Costantini

 Minha mais recente aquisição é brasileira, uma série de fotos de Anna Maria Maiolino chamada “Between Lives”. Em casa tenho duas peças muito importantes de Beatriz Milhazes. Também outras de Anna Maria Maiolino, Mira Schendel, Geraldo de Barros, Artur Lescher, Iran do Espírito Santo, Augusto de Campos. Para a fundação do Malba doei peças-chave da arte brasileira agora em exposição permanente no museu. Além do “Abaporu”, obras de Candido Portinari, Emiliano Di Calvacanti, Maria Martins, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Antonio Dias e  Waltercio Caldas, entre muitos outros.

 
ISTOÉ

 Em quais nomes da arte contemporânea brasileira o sr. aposta que se tornarão os próximos grandes alvos do mercado?

 
Eduardo Costantini

 Artistas como Ernesto Neto, Beatriz Milhazes, Adriana Varejão, Rosângela Rennó e Jac Leirner já estão consagrados internacionalmente. Nomes como Jonathas de Andrade, Marcius Galan e os argentinos Nicolas Robbio e Carla Zaccagnini (que vivem e trabalham no Brasil) merecem atenção, pois deverão ser disputados em breve no cenário de arte contemporânea.

 
ISTOÉ

 Como os museus e as instituições culturais podem ajudar a Argentina neste momento de crise financeira? 

 
Eduardo Costantini

 A melhor maneira de ajudar o nosso país é continuar com o nosso programa, uma vez já planejado. Passamos por várias crises na Argentina. Aliás, o Malba foi fundado em Buenos Aires no dia 21 de setembro de 2001, apenas dez dias depois do 11 de setembro, e menos de 90 dias antes de uma das maiores crises na Argentina desde a Grande Depressão.

 
ISTOÉ

 Como os proprietários de unidades do seu empreendimento em Miami, o Oceana Bal Harbour, se tornarão proprietários das obras de arte ali presentes?

 
Eduardo Costantini

 Os condôminos serão sócios das obras de arte. As peças que ficarão no Oceana Bal Harbour  não poderão ser vendidas dentro dos primeiros cinco anos e, posteriormente, caso haja um consenso majoritário, as peças poderão ser comercializadas e uma reunião deverá ser feita para decidir o que será feito com o dinheiro arrecadado da venda.

 
ISTOÉ

 Em quanto estão orçados os seguros de obras como as esculturas de Jeff Koons, que ocuparão o hall do edifício de Miami? Como será o sistema de segurança? 

 
Eduardo Costantini

 Ainda não temos um valor exato do seguro das peças. As esculturas de Jeff Koons do Oceana Bal Harbour ficarão posicionadas entre as duas torres e  no jardim. Dessa forma, apesar de elas serem propriedade privada, quem estiver andando do lado de fora conseguirá observá-las. Elas serão monitoradas por câmeras 24 horas por dia e pesam mais de três toneladas. Para removê-las,  seriam necessários caminhão, guindastes e um comboio de trabalhadores.

 
ISTOÉ

 Na sua opinião, por que os brasileiros se interessam cada vez mais por Miami? 

 
Eduardo Costantini

 Os brasileiros sempre fizeram parte da cultura de Miami. Influenciaram-na com sua arte, sua música e sua culinária. A grande valorização do imóvel brasileiro tornou Miami acessível aos brasileiros que gostariam de ter um lugar de férias ou de um investimento nos EUA como um “paraíso seguro”.

 
ISTOÉ

 O sr. concorda com o presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch, que diz que “só louco investe no Brasil”?

 
Eduardo Costantini

 O Brasil é um grande país com enormes recursos naturais e capital humano, que eu espero que continue a prosperar como um jogador importante na economia mundial. Já analisamos (a Consultatio, empresa responsável pelo condomínio em Miami) no passado projetos para o Brasil. Se aparecer uma oportunidade no presente, por que não?