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Passado esquecido Descendente de judeus e húngaros, Nicolas Sarkozy ficou famoso pelo discurso antiimigração

Há duas semanas foi noticiado que às portas da sede do Partido Socialista Francês houve queima de fogos, bebedeiras e cantorias em comemoração à passagem da candidata Ségòlene Royal ao segundo turno das eleições presidenciais do país. Uma algazarra, viu-se, precipitada e enganada. O candidato rival Nicolas Sarkozy já estava com 52% das intenções de votos no bolso. No domingo 29, na volta às urnas valendo o cargo, confirmava-se a tendência conservadora dos eleitores. Novamente, a política mais social da esquerda foi escanteada. A plataforma de Sarkozy, o novo presidente, é velha: linha dura com os imigrantes – leia-se xenofobia – e promessas de reforma do Estado ultrapaternalista, visando maior adequação da pouco competitiva economia da França. Ah!, e o reparo das relações bilaterais com os Estados Unidos, que vêm enfrentando atritos sérios desde a invasão do Iraque, há quatro anos.

Dessas promessas, é bem provável que Sarkozy só conseguirá aumentar a xenofobia. Mesmo assim, trazendo pouca novidade, embora maior sofrimento aos imigrantes. Nada mais deverá mudar no país que perde mercados, não consegue aumentar a oferta de empregos, afunda cada vez mais na dívida criada por seus programas sociais, e – insulto maior para uma nação que ainda se vê com a grandeza de um império – não será tratado como parceiro igualitário pela maior potência do planeta.

Aos socialistas cabe lamber as feridas, deixar de ilusões e aproveitar o momento para recolher idéias efetivas para a reforma que a nação necessita. Nicolas Sarkozy não será o homem que mudará os rumos da França, mesmo porque não tem planos realistas e é pragmático o suficiente para saber que tentativas de mudanças de modus vivendi local costuma trazer revolta e perdas de eleições futuras. “A França, como um todo, não quer mudar. É profundamente reacionária, no sentido de manter seu estilo de vida intocável. E é justamente isso que está matando a economia e o próprio bem-estar social dos cidadãos”, diz Juan García Montoya, do Instituto de Relações Internacionais de Nova York. Montoya é analista dedicado aos assuntos franceses e vê em Sarkozy apenas a continuação da política do presidente que parte, Jacques Chirac. “Até mesmo a animosidade contra os americanos vai continuar em patamares altos, ainda que não atinja a emolição da época pré-invasão iraquiana”, diz. Ele e outros analistas prevêem que não haverá mudanças na rede assistencialista do Estado e que a mobilidade do setor trabalhista continuará congelada, como sempre. “A economia globalizada, para o bem ou para o mal, transformou o mundo e não perdoa mais modelos como o da França. O problema é que Sarkozy não é Margaret Thatcher e a França do ano 2007 não é a Grã-Bretanha dos anos 80. Ou seja: o país não deixará que se façam mudanças estruturais em sua economia e o novo presidente nem sequer tem a força para tentar empurrar o remédio goela abaixo do paciente”, diz Montoya.

A paralisia econômica francesa enche a sociedade de frustrações. O modo de lidar com esta insatisfação é achar um bode expiatório. Para este papel sempre foram escalados os chamados “estrangeiros”, aqueles que imigraram, ou mesmo os que nasceram no território francês, mas têm tom de pele mais escuro: os pied noirs. “Nascí em Paris, meus pais são de Lyon e minha família imigrou da Argélia há 50 anos. Mesmo assim, não sou considerado verdadeiramente francês. E às pessoas como eu resta apenas o sistema pífio de ajuda social e seguro desemprego, sem que se consiga trabalho”, já explicara Alan Ksentini, um dos líderes das revoltas raciais juvenis iniciadas em 2005 nas periferias pobres de Paris. Enquanto não se criar trabalho para os milhões de Ksentini na França, a xenofobia só servirá mesmo como bandeira eleitoreira e a manutenção do status quo. Enquanto isso, no Palácio de Elysée, mudam-se as abelhas, mas o mel continua o mesmo.