Está aberta a temporada de caça às baleias, golfinhos e botos. Armados de GPS – aparelho que informa a localização da pessoa com a ajuda de satélites –, cartas náuticas digitais, máquinas fotográficas e olhos muito atentos, biólogos e oceanógrafos irão se revezar a bordo de um veleiro durante um ano para coletar imagens e dados sobre o comportamento dos cetáceos espalhados pelos 9.198 quilômetros da costa brasileira. A partida da Mobile Adventure – nome da expedição – está prevista para este sábado, dia 9, de Porto Alegre. De lá, o veleiro seguirá pela Lagoa dos Patos até desembocar na praia do Cassino, no Rio Grande, no extremo Sul do País. Haverá pelo menos 16 paradas em portos e marinas espalhadas pela costa até a chegada em Belém do Pará, em junho de 2002.

O material recolhido no mar fará parte do livro Guia de campo para identificação de baleias e golfinhos, preparado pela oceanógrafa Manuela Bassoi, da Fundação Universidade de Rio Grande (Furg), e pelo biólogo gaúcho Ignacio Moreno, do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars). “Ainda é muito escassa a informação sobre cetáceos da costa brasileira”, afirma Manuela, que também embarcará na expedição. O livro terá mapas com a distribuição geográfica de 30 das 78 espécies existentes no mundo, a descrição de suas características físicas e de seu comportamento, para que os navegadores possam identificar com facilidade os animais. É possível distinguir uma baleia jubarte de uma franca, por exemplo, pelo tamanho da nadadeira ou diferenciar um golfinho pintado pantropical de um pintado do Atlântico pelos desenhos do corpo. E aprender que essas duas espécies de golfinhos adoram surfar nas ondas provocadas pela proa das embarcações. O objetivo é incentivar a pesquisa também entre cientistas amadores, que poderão informar a data, a posição geográfica e o comportamento da espécie que conseguirem avistar no mar, anexar fotos e enviar todo o material aos pesquisadores.

Migração – Não há melhor período para iniciar uma expedição desse tipo. Silenciosamente, desde o mês de abril centenas de baleias franca, jubarte e minke que habitam as gélidas águas da Antártica começam a migrar em busca de águas mais quentes para acasalar e procriar. No frio continente, fazem suas últimas refeições antes de entrar num jejum forçado que se prolonga por até seis meses. Durante o verão antártico, os maiores mamíferos do mundo se alimentam de krills, minúsculos camarões que se transformam em espessa camada de gordura e garantem a energia necessária à migração. Já os filhotes se alimentam do leite da mãe. Um bebê jubarte nasce com duas toneladas e em um mês dobra de peso.

Embora os pesquisadores observem uma tendência de crescimento populacional das baleias jubarte e franca, as migrações são sempre um risco. A baleia franca gosta de ficar muito próxima da costa de Santa Catarina e é dócil a ponto de não se desviar das embarcações, que acabam atropelando os animais. Os golfinhos, que não saem de seu hábitat para procriar, correm ainda mais risco. Isso porque eles se aproximam do litoral para repousar e se socializar e assim ficam mais vulneráveis à ação do homem. Apesar de ser um tipo pouco comum de golfinho, a toninha é o mais capturado por ser atraído para as redes de pesca junto com outros peixes.

Flipper – O golfinho mais popular é o nariz de garrafa, que aparece em todos os mares do planeta e também lota os cativeiros. Acrobático e curioso, foi ele quem inspirou o seriado americano Flipper. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, os flippers auxiliam na pesca da tainha. Atraem os cardumes, com mergulhos rápidos, nadando em paralelo à rede de pesca. Embora tenham dentes para capturar alimentos, eles não mastigam a comida. Não existe nenhum recenseamento da população de golfinhos nas águas brasileiras e ainda há muito a se descobrir sobre eles. Principalmente sobre sua linguagem. Esses bichos graciosos e alegres apresentam imenso repertório sonoro que varia entre as espécies. Quando estão em grupo produzem assobios para chamar a atenção, identificar o ambiente e as suas presas.

“Sabemos pouco sobre os golfinhos. A maior dificuldade é que a longevidade desses bichos – tanto as baleias quanto os golfinhos podem passar dos 60 anos – é maior que o período de vida útil do pesquisador”, afirma o biólogo Marcos César Santos, coordenador do projeto Atlantis, dedicado ao estudo dos cetáceos no estuário de Cananéia, litoral paulista, na baía de Guaraqueçaba e na dos Pinheiros, no Paraná. O que emperra as pesquisas é, como sempre, a falta de verba e de pessoal. “Em todo o País deve haver cinco doutores com formação específica em cetáceos e 120 pesquisadores”, reclama Santos. O biólogo alerta que os animais são expulsos da costa devido ao crescimento da ocupação humana. “Sem contar que agora no Brasil se resolveu construir marinas megalomaníacas, que prejudicam o hábitat dos golfinhos”, observa Santos, autor de estudo que sugere que as fêmeas do boto cinza (terminologia regional para golfinhos) ou tucuxi marinho desempenham função de babás. Tomam conta dos filhotes das outras mães quando elas se afastam à procura de comida. Uma lição para os humanos.

Quem quiser, poderá acompanhar a aventura no visor de seu telefone celular. A empresa de informática Yavox, promotora da expedição que custará U$ 400 mil, enviará o diário de bordo da viagem aos usuários de celulares digitais habilitados para receber mensagens curtas. Basta se cadastrar no site www.yavox.com.br para se tornar um caçador virtual de mamíferos marinhos.