Sergio Castro/AE

DONS O frei teria os poderes de levitar, ler pensamento, estar em dois lugares ao mesmo tempo, perceber sentimentos e antecipar alguns fatos

Ele é de casa. Nasceu há 268 anos no interior de São Paulo. Ele faz milagres. O Vaticano já reconheceu dois deles. Mas, para criar uma exceção ao ditado, e dar conforto de alma a milhões de católicos brasileiros, ele também é santo. Santo Antônio de Sant’Ana Galvão. Na manhã de sexta-feira 11, numa missa para mais de um milhão de fiéis, no Campo de Marte, em São Paulo, o papa Bento XVI vai comunicar ao Brasil e ao mundo que Santo Antônio de Sant’Ana Galvão será, daquele momento em diante, o nome oficial de Frei Galvão. O processo – longo, desgastante, muitas vezes empurrado pela convicção arrebatadora dos fervorosos – consagra o primeiro religioso a nascer, crescer, morrer e entrar no ambiente iluminado do divino sem sair do País. Uma entrada por obra própria – e um desejo coletivo, confesso em voz alta, da maior nação católica do mundo. “A canonização de Frei Galvão é um marco histórico para a Igreja”, disse Bento XVI na quarta-feira 9, no Mosteiro de São Bento, para mais de 20 mil fiéis.

Antônio de Sant’Ana Galvão é de casa. Nascido em 1739 em Guaratinguetá, foi matriculado aos 13 anos no Colégio de Belém, na Bahia, administrado por religiosos jesuítas. Aos 21 anos, entrou para o noviciado da Vila de Macacu, no Rio de Janeiro e, um ano depois, foi admitido na ordem dos sacerdotes. Na época, pensava em ser jesuíta. Mas, diante das pressões feitas contra a organização pelo Marquês de Pombal, resolve seguir a ordem franciscana e estudar teologia e filosofia no Convento de São Francisco, em São Paulo. Em 1802, quase 30 anos depois de criar um recolhimento de mulheres, ele inaugura a Igreja do Recolhimento da Luz, hoje Mosteiro da Luz.

Antônio de Sant’Ana Galvão faz milagres. Para ser aprovado como santo, o indicado precisa ter feito pelo menos dois milagres, o primeiro para a beatificação e o segundo para a canonização. No século XIX, Frei Galvão teria encantado fiéis com seis dons. São eles a bilocação (estar em dois lugares ao mesmo tempo), telepatia (leitura do pensamento alheio), premonição, telepercepção (relato de fatos ocorridos a distância), clarividência (percepção dos sentimentos do outro) e levitação (deixar o corpo solto no ar).

Antônio de Sant’Ana Galvão era surpreendente. Em seu artigo As realizações que fogem à compreensão humana atribuídas a Frei Galvão, Claudio Blanc enumera vários desses feitos. Como exemplo de bilocação, conta a história de uma visita que o frei teria feito a uma mulher grávida no interior de São Paulo. Para atender ao pedido da mulher, o marido partiu em direção ao Mosteiro da Luz. Chegando lá, soube que Frei Galvão estava no Rio de Janeiro. De volta, ouviu da mulher que o religioso tinha estado lá, ouviu sua confissão e abençoou a água que ela bebeu. Intrigado, ele partiu para o Rio e soube que o frei não tinha saído da cidade em momento algum. “Como se deu, não sei. Mas a verdade é que naquela noite lá estive”, disse o religioso. Em outro caso, Frei Galvão teria dado extrema-unção a um capataz que agonizava após receber uma facada na região de Jaú, no interior de São Paulo, em 1810. O detalhe: o religioso naquele momento pregava em uma igreja da capital. Teria interrompido o sermão para pedir às pessoas que rezassem “pela salvação de um irmão que agonizava em um lugar ermo”.

Antônio de Sant’Ana Galvão morreu em 1822. Os dois milagres que o levaram à santidade são bem mais recentes. No primeiro, em 1990, teria curado Daniela Cristina da Silva, quatro anos, de hepatite e meningite, que produziram parada cardiorrespiratória e um diagnóstico de “insuficiência hepática fulminante”. Palavras do pediatra que acompanhou a menina ao Tribunal Eclesiástico: “Atribuo à intervenção divina não só a cura da doença, mas a total recuperação.” No segundo – reconhecido em dezembro passado pelo próprio Bento XVI – as preces a Frei Galvão teriam salvo o filho e a vida de Sandra Almeida. Ela precisava interromper a gravidez para não sofrer uma hemorragia severa. Mas Enzo nasceu com 1,990 quilo, 42 cm e sobreviveu. Como a mãe.

Antônio de Sant’Ana Galvão é, enfim, santo. E, com a profissionalização dos pedidos de canonização e a simplificação de alguns ritos processuais, é provável que a santificação de outros brasileiros, a partir de agora, seja aceita com maior rapidez. Entre cogitações e processos em fases intermediárias, há pelo menos 11 candidatos em questão, da irmã Lindalva Oliveira, assassinada em 1993 em Salvador, ao ex-arcebispo de Mariana (MG), dom Luciano Mendes de Almeida, morto em agosto do ano passado. Bento XVI, enfim, entrega Frei Galvão santificado ao acalento de seus devotos. Agora, eles esperam novos milagres. E outros Antônios de Sant’Ana Galvão. Ou melhor: Santo Antônio de Sant’Ana Galvão.