Foram quase 15 anos de casamento até que a funcionária pública E., de 36 anos, e o marido M., 35, de Curitiba (PR), passassem pela primeira crise conjugal. Após traições mútuas virem à tona, o casal resolveu se separar. No entanto, infelizes com a distância, eles reataram, mas começaram a pensar em possibilidades para continuarem juntos e mais satisfeitos. “Foi quando decidimos tentar o swing. Faz cerca de dez meses que saímos com outros casais e vamos a casas especializadas”, diz E., que é mãe de dois adolescentes. Embora ainda seja difícil assumi-la abertamente, a solução encontrada pelos curitibanos de trocar de forma consensual os parceiros sexuais tem se tornado cada vez mais comum. Em janeiro de 2015, um cruzeiro temático promete reunir cerca de 400 casais adeptos do swing e já está com todos os pacotes vendidos. O número de casas noturnas especializadas nessa prática também aumentou muito nos últimos anos, assim como cresceu o debate sobre relacionamentos abertos e a multiplicidade de parceiros, colocando em xeque o último tabu das relações conjugais: a monogamia.

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POLIAMOR
Sharlenn (centro) namora Mário (à esq.) e Rafael (à dir.). Para poliamoristas,
é natural se envolver com mais de uma pessoa ao mesmo tempo

A exclusividade afetiva e sexual é o único dos três pilares ainda inabaláveis do casamento. Os outros dois, o caráter indissolúvel do matrimônio e a heterossexualidade, já caíram por terra, derrubados pela possibilidade do divórcio e o reconhecimento legal das uniões homoafetivas. A monogamia, no entanto, continua sendo considerada a única opção possível para grande parte dos casais. “Vivemos esse padrão há milênios, mas sabemos que, na prática, ele pode não funcionar”, afirma a antropóloga e jornalista Maria Silvério, autora do livro “Swing – Eu, Tu… Eles” (Chiado Editora). Apesar de ainda serem vistas com receio, as relações não monogâmicas vêm se tornando uma alternativa para aqueles insatisfeitos em seguir o modelo vigente. Segundo uma pesquisa publicada neste ano no periódico “Journal of Social and Personal Relationships”, 4% a 5% dos americanos se consideram em um relacionamento não monogâmico consensual, embora a maioria prefira esconder a opção. “Essas outras formas de amar não significam que a família vai acabar, tampouco o casamento entre dois indivíduos, mas é importante notar que há uma crise no modelo padrão e que há alternativas”, diz Maria.

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Se para alguns o desejo extraconjugal se limita ao sexo, para outros a necessidade é também emocional. Entre as alternativas à monogamia, a menos difundida é o poliamor. Essa forma de se relacionar admite a possibilidade de se ter duas ou mais relações afetivas e sexuais ao mesmo tempo. Não há dados que contabilizem o número de brasileiros em relacionamentos desse tipo, mas o interesse pelo tema tem crescido e já há até grupos que se encontram regularmente para discutir esse estilo de vida. Um desses, o Pratique Poliamor Rio de Janeiro, foi criado pelo professor de história Rafael Machado, 27 anos. Filho de pai militar, ele cresceu acreditando que a monogamia era a única alternativa. “Até os 17 anos eu tinha uma postura bem moralista, resultado da minha criação. Mas, quando conheci o poliamor, entendi que é natural amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo”, diz. Em um dos poliencontros, Machado conheceu a também professora Sharlenn de Carvalho, 31 anos. Depois de viver um casamento monogâmico por nove anos, ela buscava alternativas. O namoro com Machado começou com a concordância do ex-marido de Sharlenn, na época casada. “A princípio ele achou a ideia interessante, mas depois pediu prioridade e, então, eu resolvi terminar”, diz a carioca. Hoje, ela tem outros dois namorados: o autônomo Mário Silva, 31 anos, amigo do casal, e um rapaz de Belo Horizonte que pediu para não ser identificado. Foi Machado, inclusive, quem apresentou Silva à parceira. “Ter de podar o seu desejo e o desejo do outro é uma violência”, afirma Sharlenn.

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PRAZER
Casados há 15 anos, E. e M. são praticantes de swing
e frequentam casas do ramo há quase um ano

Diferentemente do poliamor, em que todas as uniões têm a mesma importância, o relacionamento aberto é outra opção no leque das relações não monogâmicas e se caracteriza por ter o núcleo de um casal em que ambos saem com outras pessoas. O professor Victor Zellmeister, 27 anos, e a estudante de publicidade Débora Nisenbaum, 22 anos, concordaram em abrir o relacionamento um ano após começarem a namorar e estão juntos há três. “Passamos por várias regras. Em um determinado momento percebemos que as relações humanas não seguem cartilhas, então abolimos tudo. Nossa política passou a ser conversar sempre e encontrar as linhas de conforto de cada um”, diz Débora. Tanto para o relacionamento aberto quanto para swing e poliamor, quem está do lado de fora normalmente se pergunta: e o ciúme? Adeptos desses tipos de relacionamento dizem que o sentimento é superestimado e ligado apenas à insegurança. Por isso, é possível superá-lo. Mas depende de cada um. Para a antropóloga Mirian Goldenberg, autora do livro “Por que Homens e Mulheres Traem?” (editora BestBolso), as relações não exclusivistas continuarão sendo um desafio. “Conciliar liberdade e segurança é o mundo ideal, mas quem consegue fazer isso? A maioria sofre”, diz.

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Assim como uma infinidade de temas ligados à liberdade sexual, o swing gera ao mesmo tempo curiosidade e preconceito. Se por um lado o casal de “swingers” não topou revelar suas identidades, por outro eles contaram suas histórias com a animação de quem sabe que vai ter uma audiência interessada em conhecer suas experiências. A visita a uma casa de swing, por si só, é suficiente para atrair a atenção. A reportagem conheceu duas delas na cidade de São Paulo e constatou que é um negócio muito bem organizado. Na pista de dança, o clima é de paquera, com um pouco mais de sensualidade e ímpeto do que em uma casa noturna tradicional, visto que o propósito de todos ali está bem claro. Dali, os casais vão para o labirinto, outro espaço onde há ambientes para cada tipo de aventura. Há salas totalmente fechadas, outras equipadas com estratégicos buracos, por onde se pode espiar e inclusive tocar outros casais, bisbilhotar por treliças de madeira, puxar cortinas ou então ficar em volta de uma das camas no meio dos corredores. Salas de cinema, cadeiras, poltronas… Tudo é lugar para tentar uma investida. Se alguém forçar, é expulso. “O lema geral é: ‘onde tudo é permitido e nada é obrigatório’”, diz Maria Silvério.

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Desafiadoras para alguns, opções de vida para outros, as relações não monogâmicas devem angariar cada vez mais adeptos, o que não significa o fim da monogamia, mas apenas um melhor entendimento dessas alternativas. “Os relacionamentos com múltiplos parceiros sempre existiram, mas hoje é mais admissível discuti-los”, afirma o psicoterapeuta Ailton Amélio, da Universidade de São Paulo (USP). “Entretanto, por nos proporcionar um senso de estabilidade e segurança, a monogamia continuará sendo escolhida pela maioria das pessoas”, diz. Para a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de “O Livro do Amor” (editora BestSeller), a tendência é não haver mais um modelo padrão para os relacionamentos. “Acredito que, no futuro, se uma pessoa quiser ficar 40 anos casada, tudo bem. Se outra quiser morar com três parceiros, tudo bem também”, diz. Se o amor for de fato uma construção social, vivemos tempos em que a sociedade já está se encarregando de criar outras formas de vivê-lo.

Segundo uma pesquisa publicada neste ano no “Journal of Social and Personal Relationships”,
4% a 5% dos americanos se consideram em um relacionamento não monogâmico consensual