Colocar exames embaixo do braço e procurar uma segunda opinião para um problema de saúde está virando atitude frequente entre brasileiros com condições de recorrer a médicos particulares. Mas o que acontece quando a nova consulta bate de frente com a primeira? E se a terceira, a quarta e até a quinta opiniões também forem diversas? Diante dessas disparidades, é comum o paciente se sentir perdido. Para os médicos, essa situação tem nome: condutas diferentes. Independentemente do nome, muitas vezes fica para o doente a responsabilidade de escolher o tratamento. Para a maioria das pessoas, isso é uma tortura.

Na tentativa de diminuir a ocorrência dessas situações, o Conselho Federal de Medicina (CFM) desenvolveu o projeto Diretrizes. A entidade está dando os toques finais num guia que abrangerá os problemas de saúde mais comuns entre os brasileiros. Com lançamento previsto para outubro, a obra será distribuída a médicos. O guia pretende estabelecer modelos de atendimento, com informações atualizadas a respeito de exames, remédios e terapias, para evitar diferenças grosseiras e improbidade. “O médico terá acesso aos tratamentos mais modernos e às condutas mais adequadas para cada doença. O que pretendemos é criar um padrão e evitar que, por causa de diagnósticos divergentes, o paciente fique perdido ou tenha de tomar a decisão”, explica Roberto D’Avila, diretor-corregedor do CFM.

A confusão gerada na cabeça do paciente pode trazer riscos, como intervenções cirúrgicas desnecessárias. Por causa de uma gastrite, a psicóloga Wanda Maria Junqueira, 50 anos, viveu uma longa epopéia médica. No total, foram cinco profissionais consultados, três diferentes diagnósticos e uma batelada de exames e tratamentos. “Um médico sugeriu uma cirurgia na semana seguinte para acabar de vez com o problema. Achei estranho e procurei outro, que disse que operar era um absurdo”, recorda. A história de Wanda não termina aí. Há um ano e meio, ela fez uma tomografia do tórax para examinar melhor a gastrite. Foram descobertas manchas no pulmão, o que deflagrou uma nova etapa da saga. Os diagnósticos variaram entre câncer, pequenas cicatrizes e uma síndrome rara. “Até esqueci da gastrite”, ironiza a psicóloga, que está controladando as dores com tratamento homeopático. Wanda fez acompanhamento com um pneumologista especialista em câncer de pulmão. As manchas não cresceram. Eram mesmo cicatrizes. “Imagina se eu deixo o médico me abrir para tirar um câncer e não tem nada lá? Isso foi uma loucura”, afirma.

Em algumas especialidades médicas, entretanto, há mesmo formas díspares de se enfrentar o mesmo problema. O ortopedista Moyses Cohen, especialista em medicina do esporte, admite que prefere terapias mais arrojadas, à base de cirurgia e fisioterapia, enquanto outros escolhem o gesso e o repouso. “Mas não é por isso que os colegas estão errados. São apenas duas formas de conduzir o tratamento”, analisa. Para Cohen, o erro está em falar mal das outras condutas. Esse procedimento, de fato, deixa o paciente ainda mais inseguro na hora de seguir um método. O professor universitário Ronaldo Entler, 33 anos, passou por essa experiência ao sofrer uma persistente tendinite no ombro. Entler estava fazendo exercícios numa clínica de fisioterapia indicada por um dos sete especialistas que consultou quando o ortopedista responsável pela casa condenou as atividades prescritas. “Ele não teve a menor cerimônia ao dizer: está tudo errado. Eu me senti uma bolinha de pingue-pongue”, lembra. No CFM, não são poucos os casos de denúncias de médico contra médico porque um profissional contestou o trabalho do colega. “Esse tipo de atitude não pode acontecer”, avalia D’Avila.

Os problemas gerados com as diversas opiniões médicas também podem estar relacionados com a insatisfação de quem deseja um tratamento mais voltado para o paciente, e não para a doença. Para Marco Segre, professor de medicina legal e bioética da Universidade de São Paulo (USP), o lado humano da relação médico-paciente foi esquecido. Além disso, o clínico geral está sendo menos requisitado. “Com a especialização exagerada, perdeu-se a noção do todo. É necessário que o médico conheça bem o paciente”, ensina. Silvana Rabello, professora de psicanálise da PUC-SP, endossa essa teoria: “Quem se sente bem tratado não chega a procurar outro médico.”

Para facilitar o tratamento dos pacientes do setor de oncologia, os hospitais Albert Einsten e Sírio-Libanês, ambos em São Paulo, criaram serviços multidisciplinares – com quimioterapeutas e cirurgiões, por exemplo – para análise de casos. “Evitamos que cada médico indique uma abordagem diferente. O paciente sai dali com um só veredicto”, conta Yana Novis, médica do Einstein. Para Raul Cutait, diretor-geral de oncologia do Sírio-Libanês, as discussões são ricas até para os especialistas, que, dessa forma, se mantêm sempre bem informados a respeito da doença. É um modo de acabar com divergências entre os profissionais da saúde e, por tabela, trazer mais segurança ao paciente.

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