Em nenhum outro país é possível contratar um estafeta alfacinha e pedir para ele buscar uma bica na pastelaria mais próxima. Não entendeu? É simples: estafeta é motoboy, alfacinha é quem nasce em Lisboa, bica é cafezinho e pastelaria é doceria. Todo brasileiro que viaja a Portugal volta com um repertório enorme de piadas inspiradas no sotaque e nas diferenças da língua. Quando as visitantes são três jovens bem-humoradas descendentes de portugueses, tudo fica ainda mais divertido. “Tive uma das conversas mais loucas da minha vida em Portugal. Ao atender o telefone, eles dizem ‘tá’ como se dissessem ‘alô’ e a gente tem que responder ‘estou’. Como não sabia disso, dizia ‘tá’ querendo dizer ‘tá OK’ e o cara gritava ‘estou’ do outro lado da linha”, conta a jornalista e professora de arte dramática Leca Peixoto, 28 anos. Ela acabou de concluir a segunda etapa do Projeto Contornos, ao lado das amigas Flávia Renault, 29, e Helena Maura, 22. Na primeira etapa, em 1997, conheceram 170 cidades brasileiras em dez meses. Agora, as três percorreram oito mil quilômetros durante 60 dias em terras d’além mar.

“Desta vez, rodamos um trecho sete vezes menor”, compara Flávia Renault, estudante de artes plásticas. “Também tivemos a vantagem de trafegar por estradas mais bem conservadas do que as do Norte do Brasil. Nossa maior dificuldade foi a enxurrada de informações. Todas as esquinas de Portugal têm uma história, um significado.” Afinal, se o Brasil vive a juventude de seus 500 anos, Portugal já era uma nação unificada no início do século XII.

Depois de ver neve em Beiras, atravessar os vastos campos de oliveiras no Alentejo e conversar com familiares de Carmem Miranda – que nasceu em Portugal e se chamava Maria do Carmo –, as expedicionárias descobriram semelhanças enormes entre o Brasil e os primos bigodudos. Apesar do frio severo, as jovens dançarinas usam roupas iguaizinhas às de Carla Perez durante o Carnaval e, à noite, famílias se reúnem diante da tevê para assistir Laços de família. Com isso, aprendem rapidamente as gírias cariocas e as músicas tocadas no Brasil. No entanto, as semelhanças entre os países vão muito além das futilidades do mundo globalizado. “O povo é religioso e supersticioso como o nosso. E tudo é muito colorido. O artesanato lembra muito o do Nordeste. O primeiro destino para quem quer sair do Brasil deveria ser sempre Portugal”, diz Flávia. Ela garante que é possível aprender muito sobre nossa própria cultura visitando o outro lado do Atlântico. Agora, pretendem partir para antigas colônias portuguesas na África em busca dos elementos da cultura negra que influenciaram a formação do Brasil. Já escolheram o próximo destino. “Queremos ir para Moçambique no ano que vem”, adianta Flávia.