Milhares de brasileiros aprenderam a não confiar no Estado na hora de se aposentar. Contribuem mensalmente com a previdência privada para envelhecer mais tranquilos. Mas a insegurança financeira é apenas uma, entre as várias dúvidas da velhice. Talvez a maior de todas seja “onde eu vou morar?” De acordo com o IBGE, 70% dos 13,5 milhões de idosos do Brasil vivem em casa própria. Outros 29% moram com a família e apenas 1% residem em instituições específicas para eles. Em países desenvolvidos, o porcentual de idosos que vivem em casas para a terceira idade sobe para 6%.

Serviços e opções de moradia para os idosos vêm crescendo no Brasil. A consultoria Roland Berger, a pedido da Sociedade Brasileira Alemã (SBA), realizou um estudo para mapear a situação do idoso no País. Concluiu que, em menos de 20 anos, deverão ser criadas 270 mil novas vagas em instituições como a que a SBA mantém em São Paulo, chamada Recanto Feliz. Aferiu também que, para oferecer um bom serviço, com alimentação, atividades físicas e psicológicas, moradia e acompanhamento profissional adequado, o idoso terá que desembolsar R$ 1,5 mil por mês, além de já possuir algum seguro-saúde. “Essa é a taxa mínima para ter serviços com padrão internacional”, afirma Ingo Weiland, diretor da consultoria. Uma alternativa restrita aos 320 mil idosos com renda mensal superior a R$ 1,5 mil ou para as famílias que podem pagar essa quantia. Weiland explica que as casas de repouso ou asilos particulares ainda operam de forma errada. “Muitas vezes o idoso oferece seu imóvel como pagamento para a nova vida na instituição. Mas, de acordo com o tempo que ele vive e as complicações médicas que venha apresentar, sua contribuição fica deficitária”, conclui Weiland.

A carência de boas opções para a terceira idade, mesmo para os mais ricos, está dando espaço para empreendimentos como o Residencial Santa Catarina. Criado em parceria entre a Associação Congregação Santa Catarina (maior instituição filantrópica na área de saúde do País), a Parthenon (maior operadora hoteleira do mundo) e a construtora Company, custou R$ 25 milhões e foi projetado para moradores de terceira idade e deficientes físicos. Tudo foi meticulosamente pensado. Do chão com piso antiderrapante às barras de apoio no banheiro. Do tamanho das letras e números na comunicação visual dos andares à ausência quase total de degraus. Isso sem falar nas excelentes instalações dos dormitórios, sala de ginástica, home theater, orquidário, piscina aquecida. “O melhor de tudo é a localização. Estamos quase na esquina da av. Paulista. O idoso quer contato com o mundo urbano. Essa história de ficar afastado, ouvindo passarinho cantar, é coisa do passado”, afirma Sergio Décourt, administrador do empreendimento.

Independência – Tanta modernidade e requinte chamaram a atenção de Clélia Ferraz, 72 anos, a primeira moradora do flat. Ela ainda teve de convencer os cinco filhos sobre a sua decisão. Chegou a escrever uma carta intitulada Meus filhos e suas carapuças, para ajudar a atenuar o sentimento de culpa. Funcionou! “Eles sabem que estou bem aqui. E me sinto independente, livre, viva”, diz Clélia. Ela paga R$ 3,8 mil por mês e isso inclui quatro refeições, serviço de lavanderia, água, luz, atividades culturais, internet, ginástica, carro com motorista para os eventos coletivos, além de apoio geriátrico com enfermeiros e médicos. “Fazendo as contas vale a pena”, calcula. Divorciada, Clélia animou-se com a notícia do primeiro morador homem do flat. “Será um companheiro para dançar”, diz.

Dança é apenas uma das atividades que o Recanto Feliz, criado há 138 anos pela comunidade alemã, realiza entre seus 207 moradores de 14 nacionalidades diferentes. A instituição custa R$ 4 milhões por ano e cobra mensalidades que variam de R$ 1,5 a R$ 3 mil, de acordo com as hospedagens e bens doados pelos moradores. Para manter seu padrão, os diretores do Recanto passam o chapéu todo final de mês entre as empresas alemãs sediadas no Brasil, além de contar com o apoio do Hospital Oswaldo Cruz para os casos de internação. A instituição é arborizada, tem macacos, lago com patos e gansos, salões de jogos, fisioterapia, jardim e pomar cuidados pelos próprios residentes, além de biblioteca, refeitório e salão de festas. Existem alas para os idosos independentes, semidependentes e totalmente dependentes. Essa dependência varia de acordo com sua capacidade de locomoção, visão e bem-estar. Assim como num hotel, há quartos com diferentes níveis de conforto e até chalés individuais, todos com preços distintos. O alemão João Kaufmann, um simpático velinho de 89 anos, mora há seis anos num chalé com dois quartos, sala, banheiro e varanda. Paga R$ 2,3 mil por mês. Além de todas as atividades do Recanto Feliz, Kaufmann lê jornais e revistas ao som de seus autores preferidos: Mozart e Bach. “FHC é um fraco, perdeu as rédeas do governo. O Senado tem que acabar com ACM”, conclui o residente, antenado com as notícias do Planalto. A decisão de se mudar para o “asilo” – palavra sempre evitada pelos residentes e profissionais da área – partiu dele mesmo. “É melhor do que morar com os filhos”, diz. Sua conterrânea, Lilli Raedler, 80 anos, ingressou no Recanto de outra forma. Após uma cirurgia do coração, teve que ficar sob observação constante e sua única filha residente no Brasil não pôde se dedicar a ela em tempo integral por causa do trabalho. “O que era para ser apenas por um ou dois meses, já dura dois anos. Não me arrependo”, afirma. Ambos têm toda liberdade para ir-e-vir. “Isso é fundamental para que o idoso se sinta independente”, afirma Ruth da Costa Lopes, professora de pós-graduação em gerontologia da PUC-SP. Ela ressalta que a melhor forma de decidir a futura moradia do idoso é perguntar o que ele prefere. Mudanças são sempre difíceis; quanto mais velho mais complicado é. “A cultura latina vive em torno do núcleo familiar. Quando os filhos saem de casa e um dos cônjuges falece, o idoso se sente infeliz por não pertencer a nenhum núcleo”, conclui Ruth.

Essa busca por núcleos fez a comunidade judaica de São Paulo criar o Lar Golda Meir, referência em todo o Brasil. Quando começou, há 64 anos, apenas os judeus participavam. Hoje é aberto para todos e conta com 215 idosos. A instituição tem um hospital – seu maior diferencial – e a taxa mínima de manutenção mensal é de R$ 1,6 mil para um quarto com outro residente (isso não inclui o hospital). Ainda morando sozinho, o caçula Ernest Mathiason, 72 anos, vive uma nova história de amor. Em seu terceiro mês de residência no Lar, o viúvo andava apressado no corredor de sua ala para alcançar o elevador. Deu tempo para entrar e conhecer Martha Rozen, 80 anos. “Você mora aqui?”, perguntou Mathiason. “É claro!”, retrucou Martha. O galanteador sacou um cartão pessoal do bolso e pediu que ela ligasse. Ela não só ligou como jogou todo seu charme para o ex-gerente de planejamento da Gessy Lever. Hoje passeiam de mãos dadas pelos jardins do Lar. O novo casal tem até planos de se casar e dividir um quarto. Enquanto isso não acontece, vão curtindo seu namoro adolescente.  

Malhação com som de primeira

A realidade da maioria dos idosos brasileiros está aquém do piso de R$ 1,5 mil mensal sugerido pela pesquisa. Histórias de total abandono são comuns nos asilos e casas de repouso mantidos pelo Estado. Com verbas cortadas, o Conselho Nacional da Assistência Social baixou a ajuda mensal de R$ 120 para R$ 60 por idoso. Esse dinheiro é repassado para os Estados, que o distribuem aos municípios até chegar às instituições credenciadas. Não há vagas suficientes, tampouco planejamento para lidar com os 32 milhões de idosos nos próximos 30 anos. “O governo fechou os olhos para esse problema. Se não existissem as ONGs, preocupadas com esse assunto, todo o tratamento para a terceira idade entraria em colapso”, afirma Erminda P. Aluani, diretora há 12 anos do Recanto Santa Tereza, considerado entidade modelo no tratamento de idosos carentes. Tudo é muito limpo e organizado. Quem trabalha lá é porque ama o que faz. Não daria para ser diferente. Nos 36 mil metros de terreno localizados em Cotia, a 20 minutos de São Paulo, 130 moradores são mantidos pela entidade, que também tem um centro privado de recuperação para dependentes químicos e alcóolatras. Todo mês o Estado paga R$ 298 para cada interno, visto que o Recanto oferece tratamento diferenciado. O restante, R$ 600, é obtido de doações e do dinheiro das famílias de viciados de classe média que são atendidos no complexo.