Além de colocar as tropas e os blindados na rua e de assumir o controle operacional da Polícia Militar, o Exército protagonizou o papel de agente político para que o impasse entre a PM e o governo do Estado do Tocantins tivesse um desfecho. A greve começou no domingo 20 e só terminou na quinta-feira 31, depois que o general Sérgio Pereira Mariano Cordeiro, comandante militar do Planalto, interveio nas negociações com os grevistas. “O governador não tem credibilidade para fazer acordos nem sensibilidade para negociar”, afirmou o sargento Emanuel Aragão, um dos líderes do movimento. Foram 12 dias de tensão permanente. Armados, soldados, cabos e sargentos – acompanhados de suas mulheres e filhos – aquartelaram-se, reivindicando aumento de salários e melhores condições de trabalho. Cerca de 80% dos 3.042 policiais militares do Estado aderiram ao movimento, e o governador Siqueira Campos (PFL), antes mesmo de tentar qualquer negociação, chamou a tropa federal para garantir a segurança pública.

O Exército deslocou 900 homens do Rio de Janeiro, de Brasília e de Goiânia. Dez blindados urutu e cinco cascavel rodaram por 26 horas pela rodovia que liga Brasília a Palmas. A partir do domingo 27, os 13 líderes da greve ficaram isolados no quartel do 1º Batalhão da PM, onde havia cerca de outras 200 pessoas, inclusive mulheres e crianças. O quartel foi cercado pelo Exército. Ninguém entrava nem saía. A água e a energia elétrica foram cortadas. Não era permitida a entrada de alimentos, e, à noite, os blindados do Exército davam voltas no quartel com as sirenes ligadas. Os rebelados prometiam reagir a uma provável invasão do Exército. “O governador está obrigando o presidente Fernando Henrique a encontrar seu próprio Carandiru”, afirmava o sargento Aragão, fazendo referência ao massacre dos 111 presos durante uma invasão da PM na Casa de Detenção de São Paulo, em 1992.

Até a quinta-feira 31, os quase 200 mil habitantes de Palmas viveram a expectativa de uma guerra. Com prisão decretada, os 13 líderes do movimento só admitiam rendição caso lhes fosse dada a garantia de que não ficariam encarcerados e de que os demais rebelados não sofreriam retaliações como demissões e transferências. Representantes de associações nacionais de cabos, soldados, sargentos e subtenentes da Polícia Militar fizeram gestões junto ao Tribunal de Justiça do Tocantins, mas não conseguiram o deferimento de um habeas-corpus revogando a ordem de prisão. Na falta de um interlocutor oficial do governo, procuradores da República e o Ministério Público Estadual tentavam costurar um acordo.

Na quarta-feira 30, o impasse parecia caminhar para uma solução. Uma trapalhada do governador, no entanto, quase fez com que o primeiro tiro fosse disparado. Por volta das 15 horas, Siqueira Campos reuniu o secretariado para dizer que daria aumento salarial aos professores e afirmou que a greve da PM havia chegado ao fim. A tropa do Exército passou a avançar em direção ao quartel da PM com o intuito de transportar os grevistas. O problema é que a informação do governador não era verdadeira e a movimentação do Exército foi interpretada pelos rebelados como uma tentativa de invasão. “Esse governador é completamente maluco”, afirmou um dos oficiais do Exército deslocado para Tocantins. Na quinta-feira, o general Cordeiro conseguiu fechar o acordo. Os grevistas se renderam. Os 13 líderes foram escoltados por homens do Exército para se apresentarem à Justiça. Ficarão presos e serão acompanhados pelo Ministério Público Federal e Estadual. “Somos a garantia de que eles não sofrerão arbitrariedades”, assegura a procuradora-geral de Justiça do Tocantins, Jaqueline Adorno. A partir desta semana, será nomeada uma comissão para negociar as questões trabalhistas com o governador.

Rastilho de pólvora – É ilegal policiais militares fazerem greves. Mais grave do que isso é esses policiais promoverem motins e pegarem em armas para reivindicar salário. No entanto, cenas como as vistas no Tocantins poderão se repetir em todo o Brasil. A previsão é do cabo Wilson Morais, deputado estadual em São Paulo (PSDB) e presidente da Associação Nacional dos Cabos e Soldados da Polícia Militar. “Existe pressão das associações de todo o País, e os policiais estão organizados”, disse. Caso a greve do Tocantins não tivesse encerrado, haveria manifestações de apoio em todas as capitais, diz Morais. A situação está muito perto do conflito em Brasília, onde há mais de sete líderes da PM detidos, Alagoas, Goiás, Sergipe, Paraíba e Paraná, avalia o cabo. “A possibilidade de uma greve geral da PM é muito grande, e os governos não parecem atentos a isso”, adverte.

Se a previsão do cabo Wilson se concretizar, não será surpresa. Cerca de dois anos atrás, a Associação Nacional dos Cabos e Soldados da PM esteve reunida com o ministro da Justiça e o ministro da Defesa exatamente para tratar desse problema. “Se considerarmos o que ocorreu no Tocantins, parece que o governo não deu importância ao problema nem tomou consciência da gravidade dele”, finaliza cabo Wilson.