Na quarta-feira 30, como fazia todos os dias, Adinaldo Bezerra da Silva, 15 anos, aluno da quinta série do ensino fundamental, subiu em um caminhão pau-de-arara com outros colegas para chegar à Escola José Correia Lima, no município de Várzea Alegre, região do Cariri, a 485 quilômetros de Fortaleza. Quando descia, o caminhão arrancou em velocidade. Adinaldo caiu sob a roda traseira do veículo e morreu. Do caminhão, a irmã Aldênia viu de perto a tragédia. A gravidade do transporte escolar no Ceará já foi tema de uma CPI na Assembléia Legislativa. Mas, acidentes como o de Adinaldo ainda se repetem. Os pais não querem seus filhos em cima de um pau-de-arara, mas não contam com outro tipo de transporte para levá-los à escola, sempre em regiões distantes.

A pequena Joana D’Arc, oito anos, caminha todos os dias cerca de um quilômetro para chegar à escola, do distrito de Coió até Baturité, cidade a 100 quilômetros de Fortaleza. No caminho, os colegas passam por ela em cima do caminhão, seguindo o mesmo destino. Joana está proibida de pegar o transporte escolar. Sua mãe, Deuzanira de Brito, não pode nem ouvir falar em pau-de-arara desde que seu filho mais velho, João Filho, morreu na saída da escola, há um ano, quando tentava subir no caminhão. Na época com nove anos, João caiu na primeira arrancada do motorista e foi atropelado. Nem teve tempo de ser socorrido. Desesperado, o motorista fugiu, mas não sem antes desabafar a testemunhas da tragédia: “Eu sabia que um dia isso ia acontecer.” Naquela semana, nenhuma criança de Baturité foi à escola de pau-de-arara. Agora, a rotina voltou ao normal e só a menina Joana D’Arc faz o trajeto a pé.

Em todo o interior do Ceará a cena é comum. Dezenas de crianças disputam lugar em cima do pau-de-arara para chegar à escola. O risco de acidente é iminente. Pelas esburacadas estradas do Estado, o motorista José Carlos Cruz carrega na carroceria até 70 alunos dos povoados de Morada Norte, Boa Fé, Jurema e Salitre, todos no município de Canindé. Os menores vão sentados no meio, e os mais velhos fazem um cordão de proteção ao redor. “Não tem perigo não, porque eu ando devagar”, garante José Carlos, que recebe R$ 200,00 por mês pelo serviço. Seu patrão é o comerciante Antônio Mota, de Canindé, que resolveu comprar um caminhão no início do ano para aumentar a renda. A prefeitura lhe paga R$ 1,3 mil. “Comigo nunca teve acidente. Eu coloquei bancos e teto de madeira, mas tem menino muito danado que gosta de subir no teto”, afirma Antônio.

Em 1999, os deputados cearenses investigaram o assunto na CPI do Fundef. “Esse transporte é totalmente irregular, feito sem licitação e para beneficiar parentes e amigos dos prefeitos e vereadores. Virou um forte instrumento de politicagem”, constatou o relator da CPI, deputado Artur Bruno (PT). Até um deputado federal se beneficiava dessa irregularidade. Trata-se de José Arnon Bezerra (PSDB), que alugava sua camionete F-1000 para a prefeitura por R$ 1,8 mil para transportar alunos no município de Tianguá. “Não existiu má-fé. Se quisesse esconder de alguém poderia ter colocado o carro em nome de outra pessoa. Assim que soube do impedimento, suspendi o contrato”, explica-se Bezerra. Depois da CPI, a Assembléia aprovou uma lei, destinando os recursos do salário-educação ao transporte escolar. Mas pouca coisa mudou.

Desculpa – ISTOÉ percorreu 600 quilômetros pelo Ceará. Alguns municípios melhoraram a segurança dos alunos ao contratar monitores para acompanhar o embarque e o desembarque. Mas, nas estradas, crianças e adolescentes continuam empilhados nas carrocerias de caminhões e camionetes. Motoristas e prefeitos são unânimes em dizer que não podem acabar com o transporte no pau-de-arara porque em muitas localidades as estradas são de terra e os ônibus não entram. “Essa é uma desculpa furada. Onde um pau-de-arara entra, uma Kombi pode perfeitamente entrar”, diz o deputado Bruno. O diretor da Escola João Amaro de Souza, de Canindé, Márcio Ferreira, não vê solução. “Deixar esses alunos analfabetos seria muito pior.” É esse argumento que alivia a consciência de muitos pais. É o caso de Maria Zulene Trindade, 34 anos e mãe de seis filhos. Ao falar da segurança de sua filha Regiane, oito anos, ela chora. “Fico com o coração apertado todas as vezes que ela sai.” Quando o drama de Maria, Deuzanira e tantas outras mães transformou-se em notícia a partir da CPI do Fundef, várias iniciativas foram tentadas. O senador cearense Luís Pontes (PSDB) levou ao ministro da Educação, Paulo Renato, uma proposta para se criar uma linha de crédito especial para a compra de novos ônibus escolares com recursos do BNDES. Um ano se passou e a idéia não saiu do papel.

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